A Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal expediu liminar, neste domingo (22), suspendendo o Edital nº. 18/2021, da Secretaria de Cultura, para escolha do projeto arquitetônico do Museu da Bíblia. A deliberação do Juiz Carlos Maroja, em ação impetrada pela deputada Julia Lucy (Novo), determina a paralisação de todos os demais atos que digam respeito “ao planejamento e execução de um museu na área do Eixo Monumental.”
Na ação pública, a parlamentar alega que a obra do Museu da Bíblia é “faraônica”, orçada em mais de R$ 26 milhões, que não foi precedida de audiência pública; e que o gasto de R$ 122 mil “para a escolha de um projeto desnecessário em plena pandemia implica em inversão na prioridade da alocação de recursos já escassos”.
A Lei Orgânica do DF, em seu artigo 362, inciso II, estabelece como pré-requisito de validade do processo decisório envolvendo patrimônio cultural a realização de audiência pública. Nos autos do processo, o GDF alegou, em sua defesa, que “a mera realização de estudos para o museu, que fora idealizado por Niemeyer e previsto desde 1995, não representa prejuízo para a Administração ou ao interesse da coletividade”.
O GDF disse, ainda, que uma decisão da Justiça impedindo a continuidade do projeto o “impediria de incentivar e promover o turismo; que o museu criará postos de trabalho; que as experiências dos museus da Bíblia situados em Barueri e Washington – DC demonstram a atratividade e lucratividade desse tipo de museu; que o museu terá relevância cultural e histórica”. O Ministério Público do DF optou por ficar do lado do GDF, contra uma suspensão do projeto do Museu da Bíblia.
Teatro Nacional
Em sua sentença, o juiz Carlos Maroja ressalta que o Plano Piloto é tombado nacional e internacionalmente, que a implantação do Museu da Bíblia pode representar a descaracterização “de outro monumento”, o próprio Eixo Monumental, e lembra que a sociedade de Brasília tem questionado a construção desse novo monumento “em dias em que a população lastima que um outro monumento nacional do porte de um Teatro Nacional apodrece há anos, inacessível tanto ao sempre carente setor cultural candango como a uma população ainda mais carente de arte e cultura”.
“O projeto (do Museu da Bíblia) submetido à impugnação neste feito impacta diretamente em bem cultural tombado como Patrimônio Histórico e Mundial da Humanidade: a concepção urbanística de Brasília, mais notadamente em sua escala monumental, a qual repousa exatamente sobre o leito do Eixo Monumental […]. É simplesmente inconcebível que qualquer autoridade pública se volte contra os efeitos do tombamento, que é, repita-se, medida de proteção a Brasília que vincula todos os poderes públicos à obrigação jurídica de protegê-la adequadamente.”
“A mera vontade política do governador do DF” – continua a liminar – “não é elemento suficiente para a execução de “atos que envolvam modificação do patrimônio arquitetônico, histórico, artístico, paisagístico ou cultural do Distrito Federal”. Para que qualquer ato deste porte – inclusive estudos prévios, diga-se de passagem – a apreciação em audiência pública é obrigatória, […] – não se pode concluir, a priori, que a instalação de museu da Bíblia seja algo necessariamente afrontoso ao monumento (Brasília) tombado. Mas, para que tal aspecto primordial seja devidamente enfrentado, torna-se imprescindível, antes de mais nada, auscultar a sociedade sobre a ideia, sob pena de se empreender alteração possivelmente temerária do monumento nacional.”
Museu da Democracia
A sentença também faz menção ao Memorial da Liberdade e Democracia – visto por alguns como museu dedicado a João Goulart. Aprovado no governo de Agnelo Queiroz, a instalação desse memorial, que visava abrigar os registros e a documentação dos anos de chumbo da ditadura militar, teve a decisão revogada pelo sucessor, Rodrigo Rollemberg, mesmo tendo sido aprovada pela Câmara Legislativa e de já contar com recursos federais e de patrocinadores privados. O tapume e a pedra fundamental da obra projetada por Niemeyer tiveram que ser retirados.