Mario Pontes
- Advertisement -
O noticiário chega ao fim. Desligo a TV. Após um breve silêncio, o amigo me pergunta se entre os milhares de livros das minhas estantes tenho muitos dedicados ao assunto que ocupou boa parte do jornal. Não, respondo; tenho apenas um: intitula-se De la corruption (Sobre a corrupção), do professor francês Jean-Claude Waquet (Ed. Fayard, Paris, 1967). Ele pesquisa a enfermidade a partir da criação dos primeiros bancos no Renascimento. Chegando ao século XX, surpreende o leitor com a informação de que não encontrou nenhuma referência à corrupção nos livros franceses destinados à formação de economistas, publicados entre os anos das décadas de 1930 e 1960.
Em outro livro, igualmente solitário – Corrupção: três aspectos do mundo das finanças (1960) –, do alemão Jakob van Klaveren, Waquet encontrou definições que fogem das ladainhas midiáticas, nas quais o sujo está sempre falando do mal lavado. Klaveren escreve, com toda franqueza: “No essencial, a corrupção é a exploração das funções públicas, em conformidade com as leis do mercado”.
– E na literatura de ficção? – pergunta meu escabreado amigo.
– Bem, aqui o solo é um pouco mais fértil. O bastante para criar uma obra-prima. Quando? Em 1836, ano da publicação da peça de Nikolai Gogol, que a escreveu em russo para ter mais leitores do que teria se a escrevesse em seu mal conhecido ucraniano natal.
A peça conta o seguinte. De férias, pequeno funcionário público chega a uma cidade muito distante da capital. E é logo confundido com o Inspetor Geral, que, cochicha-se, virá checar denúncias de corrupção praticadas pelas autoridades e os donos do lugar. Esperto, ele tira o máximo proveito do engano, e cai fora antes de ser apanhado. Sua partida coincide com a chegada do Inspetor.
O conto teatralizado por Gogol é uma dessas criações que resistem aos séculos, mantendo a capacidade rara de inspirar a indignação e o riso. Leia-o – digo ao meu amigo. – Há uma boa tradução dele para o nosso português tropicalizado.