Embora razoável conhecedor da tendência de boa parte da espécie humana para o nojento, o absurdo, às vezes ainda me surpreendo com manifestações de apego à ignorância e ao erro, capazes de eriçar os pelos de uma tábua envernizada. De fato, é necessário estar com os reagentes adormecidos para não deixar cair o queixo diante, por exemplo, de certos grupos de indivíduos que, em pleno século XXI, enchem os bolsos promovendo algo tão absurdo como a resistência às campanhas de vacinação, preventivas de doenças que mataram milhões e continuam a perseguir o bem-estar da espécie. O sarampo, por exemplo.
No Brasil, a resistência – quase sempre mascarada de esquecimento – ainda é largamente é registrada. Mas não é só aqui que grandes contingentes deixam de vacinar-se ou de lembrar o próximo que está na hora de ir ao posto de saúde e precaver-se dessa doença, capaz de causar graves problemas, não raro a morte.
Tive sarampo quando andava pela casa dos dezessete anos. Havia trocado minha cidadezinha, no interior do Ceará, pela capital do estado, onde fora aceito na redação de um jornaleco. Anos depois, exaurido pelo excesso de tarefas, pedi duas semanas de folga. Lá pelo décimo dia, quando preparava a volta ao batente, acordei com febre e mal-estar generalizado. Tocar em mim era como afagar um tejuaçu, lagarto cuja pele, ao ser tocada, provoca coceira semelhante à de uma folha de urtiga.
Havia dois médicos no lugar: um jovem, não muito amigo do trabalho; e um senhor idoso, sem tempo para atender a todos que o procuravam. Por isso, este só pôde aparecer no quarto dia. Na véspera, recebemos a visita de uma senhora meio idosa, que conhecia minha mãe pela presença quase diária de ambas na igreja. Ela perguntou o que se passava comigo.
– Está com sarampo – respondeu minha mãe. – O que já lhe dei? Um chazinho pra baixar a febre… Estou esperando o médico.
– Pois não espere mais! Tenho um remédio milagroso. Posso ir lá em casa buscá-lo, em meia hora chego aqui com ele.
– Alguma erva?
– Não. É jasmim de cachorro, sequinho. Não há sarampo que resista.
Felizmente minha mãe não aceitou o conselho. O médico veio naquele mesmo dia, e na manhã seguinte eu estava melhor. Mas sempre que ouço a palavra sarampoimagino quantos, naqueles cafundós, ainda são tratados da doença com chá de cocô seco de cachorro…
Pior é saber que coisas assim não ocorrem só no interior do País, nos nossos sertões. Nos últimos dias, jornais estrangeiros registram que não apenas aqui, na África, na Ásia, na Oceania, mas igualmente em países civilizados como a Ucrânia, a Sérvia, os Estados Unidos e a França é visível a resistência às campanhas contra doenças como o sarampo.
A advertência a respeito – dizem os jornais – vem de uma respeitada organização internacional: o Centro Europeu de Prevenção e Combate a Doenças. O que me permite indagar se em Paris, Berlim, Kiev, Washington, megeras ressuscitaram e andam a recomendar chá de cocô de cachorro às vítimas do sarampo. Horrível imaginar, mas a idiotice sempre foi longeva!