Começou a funcionar nesta terça-feira (27), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado Federal. O colegiado, que tem maioria crítica ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), investigará ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia e repasses a estados.
A CPI também tem por objeto apurar o uso de verbas federais durante a crise sanitária. Na primeira reunião, que ocorreu de forma semipresencial, por acordo entre as bancadas, Omar Aziz (PSD-AM) foi eleito presidente e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice. A relatoria pode ficar com Renan Calheiros (MDB-AL), a despeito dos esforços do governo federal em reverter o acerto.
Nos últimos dias, o governo federal tentou costurar com os parlamentares alternativas ao nome do emedebista. Um dos argumentos lançado foi de que Calheiros não poderia ser relator da comissão pelo fato de ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB).
Tal linha foi usada pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) em ação popular apresentada junto à Justiça Federal de Brasília. O juiz Charles Renaud Frazão de Moraes acatou pedido em decisão liminar e determinou que o parlamentar não poderia ocupar o cargo no colegiado. Pelas redes sociais, Calheiros disse que a decisão não tem precedentes na história do País e representa uma “interferência indevida que subtrai a liberdade de atuação do Senado”. A liminar foi cassada na manhã desta terça pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que seria “antirregimental” interferir no processo de escolha do relator da CPI da Pandemia e que uma decisão judicial não pode obrigá-lo a “tomar decisão ilegal”. Com isso, abriu caminho para a liminar não ser cumprida. Os senadores ignoraram a decisão do juiz amparados no regimento interno da Casa, que diz que não há votação para relator nas comissões. A escolha cabe ao presidente do respectivo colegiado.
A maioria dos indicados pelos partidos para a comissão integra as alas opositora ou independente ao governo Bolsonaro, o que deixará a atual administração em posição vulnerável ‒ sobretudo em meio ao pior momento da pandemia no país, que já matou 392.204 pessoas desde seu início.
A avaliação é de que a confirmação de Omar Aziz na presidência e, principalmente, de Renan Calheiros como relator trará riscos relevantes ao governo. Embora Aziz seja de partido considerado independente, ele tem adotado postura crítica em relação a Bolsonaro. O parlamentar representa o Amazonas, estado que sofreu fortes impactos da crise sanitária, inclusive com falta de oxigênio para pacientes em hospitais.
Já Calheiros tem apontado claramente erros do governo federal no enfrentamento à pandemia, além de ser um dos entusiastas da possível candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto em 2022. Logo no início do mandato de Bolsonaro, Calheiros sofreu uma de suas maiores derrotas políticas, ao não conseguir a recondução ao cargo de presidente do Senado em disputa contra Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na ocasião, o envolvimento direto de Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, foi decisivo para a vitória de Alcolumbre.
Os cargos de presidente e relator são estratégicos em uma CPI. Ao primeiro cabe ditar o ritmo das sessões e das próprias investigações, inclusive tendo papel decisivo na definição das autoridades que serão convocadas para prestar depoimento. Já o segundo, além de ter posição privilegiada nas audiências para fazer indagações aos convidados, é o responsável por encaminhar as conclusões da comissão, como pedidos de indiciamento junto ao Ministério Público Federal.
Calheiros classificou a gestão Bolsonaro na crise como “terrível”. Na avaliação do senador, o governo “errou, se omitiu e minimizou a doença”, conduta que teria sido decisiva para as consequências observadas em número de casos e vidas perdidas ao longo da crise sanitária. Bolsonaro tem intensificado falas em defesa de ações tomadas pelo governo no enfrentamento à crise sanitária e retomado ações para a agradar seu público mais fiel.
Os movimentos são vistos como preparo da tropa para a pressão que virá do colegiado majoritariamente crítico à sua gestão. Na semana passada, Bolsonaro foi a Manaus (AM) para inaugurar um centro de convenções e receber título de Cidadão Amazonense, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado. O evento acabou usado por ele para ato em desagravo do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde).
Em discurso, Bolsonaro disse ser “testemunha da luta” do general “pela erradicação da doença”. Pazuello é um dos mais esperados alvos das investigações promovidas pela comissão. Nas palavras de Calheiros, a atuação do general à frente da pasta foi “desastrosa”.
Pazuello também foi alvo de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência, que, à revista Veja, disse que houve “incompetência e ineficiência” do Ministério da Saúde na compra de vacinas e que Bolsonaro “era abastecido com informações erradas” sobre a pandemia.
Senadores já articulam a convocação do ex-chefe da Secom para depor à CPI. Atento aos riscos impostos pela CPI, Bolsonaro busca blindar Pazuello (e, assim, a si próprio). Além das falas em defesa da atuação do general no enfrentamento à covid-19, especula-se sobre a possibilidade de o Presidente remanejá-lo para cargo no Palácio do Planalto.
Os chefes do Poder Executivo nos estados foram os alvos usados pelo presidente para tentar minimizar os impactos negativos provocados pela criação da comissão. A estratégia, ao incluir o repasse de verbas federais aos entes subnacionais nas investigações do colegiado, foi dividir o foco dos parlamentares e reduzir a exposição do Palácio do Planalto.
O governo também está montando uma “sala de guerra” para acompanhar as movimentações da CPI da Pandemia. De acordo com reportagem do jornal Valor Econômico, o grupo informal envolverá servidores da Casa Civil, que faz a articulação entre os ministérios; da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política; e da Advocacia-Geral da União (AGU).
Na semana passada, a Casa Civil enviou a 13 ministérios um documento listando 23 possíveis acusações esperadas na CPI da Pandemia e pediu subsídios para fazer frente aos esperados questionamentos. O material vazou e acabou criticado dentro do próprio governo como um roteiro ainda pior para o governo do que aquele que integrantes da CPI vinham discutindo.
As primeiras questões são acusações recorrentes feitas ao governo, como ter sido negligente com a aquisição de vacinas, especialmente com a CoronaVac; ter minimizado a gravidade da epidemia e não ter incentivado a adoção de medidas restritivas; e ainda o fato de promover tratamento precoce sem evidências científicas.
A visão da Casa Civil, entretanto, vai além e inclui, por exemplo, uma acusação de “genocídio” de indígenas e que o governo teria criado e disseminado notícias falsas sobre a pandemia por meio do “gabinete do ódio” do Planalto. O movimento foi visto como claro sinal das preocupações do Planalto com o andamento dos trabalhos na comissão.
Em nota, a Casa Civil disse ser natural a reunião de dados e números fornecidos por ministérios neste contexto. Dos possíveis nomes a serem convocados, além de Pazuello, aparecem os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo Guedes (Economia). Também são citados Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, os dois primeiros a comandar a Saúde na gestão Bolsonaro.
*Com informações do InfoMoney e da Agência Senado