No universo das tradições indígenas, o ritual da huka-huka talvez seja o mais conhecido pelo homem branco. Praticado milenarmente, por ocasião do Quarup – cerimônia em homenagem aos mortos ilustres – ele se assemelha à luta greco-romana. É pelo Huka-Huka que a virilidade dos jovens guerreiros é testada.
Nos tempos da pós-modernidade, a juventude indígena testa sua força pelas redes sociais. É o que pode depreender-se do ríspido diálogo entre Marcos Terena – tradicional liderança indígena – e o jovem Mario Juruna Neto.
Seu avô, da etnia Xavante, despontou no final da década de 1970 – em plena ditadura militar – na luta pela demarcação das terras indígenas. Desconfiado das autoridades governamentais, andava sempre com um gravador k-sete “para registrar tudo o que o branco diz”. Em 1982, foi eleito deputado federal pelo PDT de Leonel Brizola.
Em seu perfil no Facebook, Terena reclamou do pouco caso do futuro governo Bolsonaro para com a causa indígena e a indefinição do futuro da Funai, que pode ir parar no Ministério da Agricultura, como se os indígenas fossem commodities.
“Finalmente, uma manifestação do novo governo a respeito das Primeiras Nações: a Funai ficará com o Ministério da Agricultura”, registrou Terena. Juruna Neto logo retrucou: “Com todo respeito…, o senhor está achando isso ótimo? Às vezes não entendo vocês (Terenas). Cada ato que o Bolsonaro faz, faz parecer bem pra sua etnia. E desculpe se estou interpretando errado. Mas tenho visto alguns apoiando-o”.
Não demorou para que outra flecha fosse lançada por Terena: “Você não tá entendendo nada. O governo já avisou que vai ser assim. Vai ficar nas mãos dos ruralistas. É incrível que nenhuma organização não falou nada desse governo. De vez em quando, nós, Terena, temos visão, por isso que seu avô gostava de ouvir nossos conselhos. Nossa visão é espiritual”.
Pacificadores X guerreiros
Os Terenas, com fama de articuladores políticos desde os tempos do Brasil Colônia, são do Mato Grosso do Sul, próximo à fronteira com o Paraguai. Já os Xavantes, tidos como guerreiros, são do nordeste mato-grossense.
Embora as nações sejam próximas, os dois povos só vieram a se conhecer no início dos anos 1980, na defesa dos direitos indígenas. Direitos esses que, parece, serão colocados de lado no governo do presidente eleito Bolsonaro (PSL).
Criada em 1910 pelo Marechal do Exército Cândido Rondon com o nome Serviço de Proteção aos Índios, ninguém quer a Funai no futuro governo do Capitão. O ex-juiz Sérgio Moro não se interessou pelos direitos dos povos originais. Não deve dar ibope.
A opção de levá-la para o Ministério da Agricultura não parece adequada. A causa indígena ficaria submetida à lógica do agronegócio. Por que, então, não alocar a instituição no Ministério dos Direitos Humanos?
Para Terena, o Brasil tem uma dívida com os seis milhões de indígenas que foram dizimados no País desde o descobrimento.