Uma tradição de quase 50 anos no pequeno Distrito de Olhos d’Água, a 15 quilômetros de Alexânia, no Entorno de Brasília, está ameaçada. O padre da igreja da cidade de cerca de 3 mil habitantes, Cleyton Garcia, anunciou, durante a missa matinal do domingo (11), que vai proibir a realização da Feira do Troca, na Praça Santo Antônio, em frente à Paróquia. A homilia foi transmitida ao vivo pelo canal do Youtube da Paróquia Imaculada Conceição, de Alexânia.
“Faço questão de dizer bem claro que esta é a última Feira de Troca no terreno da Paróquia. A Igreja Católica, isso significa eu e você, precisamos fazer alguma coisa. A partir da Festa de Santo Antônio, eu espero que nós arrecademos fundos econômicos de forma abrangente para fazermos um projeto de paisagismo imenso naquela praça, naquele terreno, para que Olhos d’Água tenha uma cara católica, verdadeiramente católica. Porque não é possível que uma cidade que começou em torno de uma igreja, agora tenha o rótulo de um ambiente pagão”
Padre, Cleyton Garcia
No domingo anterior (4), transcorreram as festividades do último dia da 96ª Feira do Troca, que atraiu mais de 8 mil pessoas de várias localidades, especialmente de Brasília e de Goiânia para Olhos d’Água. E a pregação do religioso repercutiu imediatamente a partir do compartilhamento do vídeo na segunda-feira (12). Comerciantes e artesãos, os principais interessados no evento, marcaram para quinta-feira (15) um ato na Subprefeitura, , ao lado da Paróquia.
No entanto, na véspera (14), o prefeito de Alexânia, Allysson Silva (PP), convidou o presidente da Associação dos Artesãos de Olhos d’Água, Djalma Valois Filho, para uma reunião. Sugeriu que havia especulações na cidade de que o ato descambasse para a violência e propôs remarcar o encontro, com sua presença e de outras autoridades municipais, para a quarta-feira (21), às 19h30, na Subprefeitura. Djalma concordou com a reunião da próxima semana, mas manteve o ato de quinta-feira para acontecer na quadra coberta da escola pública municipal da cidade.
Tradição de 50 anos
Criada em 1974 pela falecida professora Laís Aderne, da Universidade de Brasília (UnB), a Feira do Troca acontece duas vezes ao ano, sempre no primeiro fim de semana de junho e no primeiro de dezembro. “O objetivo sempre foi gerar renda e valorizar a comunidade local por meio da economia criativa”, lembra a professora Nilva Belo, defensora da tradição do Troca.
Djalma Valois Filho postou no espaço Conhecimento Livre, no Youtube, o vídeo do sermão do padre Cleyton intercalado com comentários apontando os equívocos do anúncio feito pelo pároco. “A Feira movimenta o comércio e é uma oportunidade de os artesãos ganharem um dinheiro extra a cada seis meses”, afirma o presidente da Associação dos Artesãos.
Embora não queiram criar polêmica com a Igreja, os moradores, comerciantes e artesãos estão organizando várias manifestações – presenciais e virtuais – em defesa da Feira do Troca. A ideia é ocupar o espaço que o padre quer reservar para uso exclusivo dos católicos. “A praça é de todos”, defende Djalma.
“Esperamos sensibilizar o Poder Público (Prefeitura Municipal, Câmara de Vereadores de Alexânia e Ministério Público) para defender os interesses da comunidade”, diz Nilva Belo. A reportagem do Brasília Capital tentou falar com o prefeito Allysson Silva Lima, mas ele não retornou à ligação.
Um Grito contra a intolerância
O anúncio feito pelo padre Cleyton Garcia dominou o debate nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp de Olhos d’Água e Alexânia nas últimas duas semanas. O morador Renê Dubois publicou um longo texto no Facebook, em seguida compartilhado em outras plataformas, sob o título “Em defesa da Cultura: Um grito contra a intolerância do Padre Cleyton Garcia”. E dispara: “O pároco local, que deveria ser um guia espiritual e um líder compassivo, mostra-se intolerante e hostil às nossas manifestações culturais.
Mesmo convencido a mudar o local da reunião de quinta-feira ()15), para evitar conflito com os participantes da Festa de Santo Antônio, ocorrida nesta semana, o presidente da Associação dos Artesãos, Djalma Valois Filho, mantém a disposição de usar todos os meios legais para manter a Feira do Troca na praça da cidade. “Conseguimos abrir um espaço junto ao Poder Executivo Municipal para dialoga e buscar soluções para os problemas criados por terceiros que desconsideram nossa população. Nossa vitória será coletiva. Que a intolerância e a violência fiquem com aqueles que as praticam!”, concluiu.
Diocese divulga Nota de Esclarecimento
Também procurado pelo jornal, o bispo auxiliar de Anápolis, à qual as paróquias de Alexânia e de Olhos d’Água estão subordinadas, Dom Dilmo Franco de Campos, emitiu a seguinte “Nota de Esclarecimento” em que reitera a decisão do padre:
“A Diocese de Anápolis, por seu representante legal, vem, por meio da presente nota, se posicionar sobre o vídeo intitulado “Anunciado o fim da Feira do Troca na Praça Olhos D’Água”, publicado no canal do Youtube “Conhecimento Livre” no dia 12/6/23.
“Inicialmente, necessário esclarecer que o Padre Cleyton Francisco Garcia é pároco da Paróquia Santo Antônio do distrito de Olhos D’Água, município de Alexânia, e possui poderes conferidos pelo bispo da Diocese de Anápolis para exercer o seu múnus de administrar a referida Paróquia.
“Em relação ao referido vídeo, observa-se que o Padre Cleyton, em sua Homilia proferida no dia 11/6/23, na matriz de Alexânia, informa, de forma sucinta e objetiva, que o imóvel onde acontece a “Feira do Troca”, ora organizada por um grupo de pessoas, é de posse e propriedade do Diocese de Anápolis.
“Traz, inclusive, a notícia que a intenção da Paróquia é trazer mais bem-estar para a comunidade, por meio de uma revitalização da área.
“Por outro lado, ressalta-se que os comentários pessoais inseridos por meio de “recortes” nas falas do Padre Cleyton foram elaborados por uma pessoa desconhecida, que fez o uso indevido de sua mensagem, sem qualquer permissão.
“Nesse contexto, imperioso salientar que os atos de mera permissão ou tolerância em relação à posse do referido imóvel, naturalmente precários, podem ou não ser renovados pela proprietária do imóvel, Diocese de Anápolis.
“Assim, optou-se por comunicar a comunidade sobre a referida decisão, ou seja, de que a “Feira do Troca” não mais acontecerá no imóvel de sua propriedade, sem contudo, descartar o diálogo com o poder público municipal para a continuidade do referido evento em outro local situado no distrito de Olhos D’Água.
“Portanto, em nenhum momento foi dito que o evento seria extinto. Por fim, rogando ao Senhor Deus pela unidade e a paz, a Diocese de Anápolis reitera o seu compromisso com a verdade, colocando-se à disposição da sociedade”.