Conta pode chegar a R$ 1 bilhão neste ano. E ainda com risco de reajuste da tarifa técnica em setembro
Chico Sant’Anna
Nem bem o ano começou e a Secretaria de Mobilidade já quer uma suplementação de R$ 504,8 milhões para as empresas do transporte coletivo. A pedida vai se somar aos R$ 442,5 milhões já alocados (R$ 72,8 milhões a título de reembolso das despesas da gratuidade das pessoas com deficiência (PNE); R$ 100 milhões do Passe Estudantil (PLE); e R$ 269,7 milhões da chamada Manutenção do Equilíbrio Financeiro do Sistema. Somando tudo, chegaria a R$ 947,5 milhões só neste ano.
A Semob justifica a suplementação por considerar que a verba estipulada na Lei Orçamentária Anual (LOA) “não será suficiente para cobrir as despesas projetadas para todo o exercício”. Ou seja, a LOA foi votada em 14 de dezembro e já se mostra insuficiente para cobrir as despesas agora apontadas.
Teria a Semob falhado nos cálculos, considerando que em 2021 também se gastou perto de um bilhão (R$ 855,5 milhões) com as empresas de ônibus? No dia 25 de fevereiro, a Semob informa já ter gasto R$ 92,643 milhões dos R$ 442,5 milhões alocados para 2022.
Ficção
Especialista em planejamento e orçamento, o ex-secretário-adjunto de Mobilidade, Leandro Couto, considera essas contas “muito estranhas”. “Houve sub-orçamentação? O orçamento virou uma enorme peça de ficção? Tudo isso dificulta a transparência e acompanhamento dos gastos púbicos”, salienta.
Suplementação paga com recursos do ICMS
Em oficio de 18 de fevereiro ao governador Ibaneis Rocha, ao qual foi anexada a minuta do projeto de lei, a Secretaria de Economia afirma que os novos recursos demandados serão bancados pelo “excesso de receita da arrecadação do ICMS”, imposto que recai sobre o comércio de mercadorias e a prestação de serviços.
“Se na previsão inicial de despesas e receitas eles não previram essa despesa, que tem caráter contínuo, como que agora eles colocam na dependência de um excesso de arrecadação de ICMS? O que mudou do final do ano passado pra cá para afirmarem que terá um excesso de arrecadação de ICMS?”, questiona Couto.
Urgência
Ao governador Ibaneis Rocha foi pedido, ainda, que estipule regime de urgência para a tramitação do projeto-de-lei. E ele não demorou: no dia 22, foi lido no plenário da CLDF o projeto de reforço de caixa.
Oposição aponta desrespeito
O deputado Reginaldo Veras (PDT) reagiu, lembrando que no ano passado a verba repassada aos donos das empresas de ônibus totalizou R$ 1 bilhão. E nem por isso a frota de ônibus foi renovada integralmente.
“O GDF quer agora dar de bandeja R$ 500 milhões para os ricos donos das empresas de ônibus logo no início do ano. É muita grana repassada para essas empresas prestarem um serviço porcaria. Isso é um desrespeito para com o usuário do sistema de transporte público do DF”, protestou.
O distrital Leandro Grass (PV) salienta que mais uma vez o GDF age sem transparência e sem trazer a público a comprovação dos efetivos gastos do sistema. “Votarei contra!”, garante.
Fábio Felix (Psol) questiona o repasse de “volume vultoso de recursos para as empresas de ônibus que prestam um serviço de péssima qualidade” e chama a atenção para a “falta de planejamento orçamentário, falta de transparência nos contratos e a péssima prestação de serviço”. “Quem perde é sempre a população”, sentencia.
Tarifa técnica é reajustada em setembro
Pelos novos cálculos da Semob, os 504,8 milhões, somados à dotação inicial de R$ 442,5 milhões, será suficiente para custear a Manutenção do Equilíbrio Financeiro do STPC/DF até dezembro. Entretanto, mesmo com esses R$ R$ 947,5 milhões, não está descartado um reajuste da tarifa técnica em setembro. É por meio dela que as empresas são remuneradas. Parte vem do bolso do passageiro e outra parte dos cofres públicos.
Nos contratos de concessão há a previsão de reajuste da tarifa técnica todos os anos, em setembro. “Mas qualquer das partes, seja o governo ou a concessionária, pode pedir a revisão ou reajuste da tarifa técnica sempre que houver necessidade de recompor o equilíbrio contratual”.
Movimento Passe Livre propõe pagamento por viagem
Para um dos coordenadores do Movimento Passe Livre, Paíque Duque Santarém, essas suplementações milionárias estão dentro de uma estratégia equivocada de se manter, em ano eleitoral, a lucratividade das empresas aparentemente com tarifas congeladas.
“Essa é uma bomba relógio que explode logo ali na frente”.
Segundo ele, a metodologia de remunerar as empresas por passageiros transportados, com a queda de demanda provocada pela pandemia, não mais funciona, e as empresas vão falir no Brasil inteiro. “Temos que mudar a forma de contratação das empresas. No lugar de se pagar pela quantidade de passageiros transportados por quilômetro rodado, tem que remunerar por viagens realizadas. Como se fosse um fretamento”, sugere.