“Você tem que tirar toda a roupa e agachar três vezes de frente, três vezes de costas. Um dia a funcionária me fez agachar quase 15 vezes. Ela disse que não estava conseguindo me ver. E falava: ‘faz força, abre essa perna direito’”, conta a manicure F.M., 41 anos, que visita o filho todos os finais de semana no presídio da Papuda. “Sem contar quando pedem para você abrir seus órgãos genitais com as mãos. Tem lugar que tem até espelho. Tudo para humilhar, para constranger”, afirma F.”.
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Este medieval procedimento ainda é, infelizmente, uma prática comum nas penitenciárias brasileiras. Recorde-se que eram os padres inquisidores, da Idade Média, que vasculhavam as vaginas das “bruxas” para achar sêmen do diabo. O método atual, no Brasil, quando usado fora da estreita e absoluta necessidade, é constitucional e internacionalmente vedado.
A Conectas afirma que, em 2012, cerca 3,5 milhões de pessoas tiraram as roupas e abriram seus órgãos genitais nas penitenciárias do Pais para terem seus orifícios revistadas, sob a alegação de barrar a entrada de armas, drogas e celulares nas celas.
São milhares de mães, filhas, esposas, tias e avós que se submetem regularmente a tal humilhação para visitar os parentes presos. Funcionários do Estado, travestidos de homens da lei e da ordem, realizam o procedimento, que já é considerado natural. Bebês de colo, idosas, mulheres com dificuldades de locomoção são todas massacradas da mesma forma. Independentemente da cor, credo ou crime que não tenham cometido.
Não são apenas as mulheres parentes de presos que sofrem com os maus tratos no interior das penitenciárias. E.R. foi funcionário de carreira de uma empresa de transporte público de Brasília e é pai de cinco filhos. Quatro deles são graduados, dois concursados e um mora no exterior. O caçula, porém, não seguiu o caminho trilhado pela família. Se envolveu com droga e acabou preso por tentativa de latrocínio.
Há um ano e meio, toda semana, E.R. vai à Papuda encontrar com o filho. E, provavelmente, precisará repetir esse ritual pelos próximos dois anos. “Ele tem que pagar pelos atos dele. Errou e deve responder por isso. Mas, nós, pais, quando resolvemos visitá-los, também somos tratados como criminosos”, afirma. “Lá dentro, me sinto pagando pelo mesmo crime que meu filho cometeu. Ou talvez pior”, lamenta.
O tratamento dado aos familiares dos presos é realmente subumano. “Lá dentro, se a gente quiser saber as horas e pergunta a algum agente, ele finge que não escutou. Olha pro lado ou empurra a gente para continuarmos andando”, conta F.
De acordo com a Defensoria Pública, apenas em 0,02% das revistas foram encontrados materiais proibidos. “Esta é mais uma forma de punição aos presos”, diz o órgão.
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A Constituição Federal, artigo 5º, inciso II, diz que “ninguém pode ser submetido a tortura ou a tratamento cruel ou desumano”. A dignidade humana, de outro lado, é o valor-síntese do nosso Estado constitucional de direito (art. 1º, II da CF).
Para se estabelecer a inspeção vaginal, diz a jurisprudência internacional, deve o Estado cumprir quatro condições: absoluta necessidade; inexistência de nenhuma outra alternativa; ordem judicial; concretização unicamente por profissionais de saúde pública.
Definitivamente, nenhuma delas é respeitada dentro dos presídios.
Esperança
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária publicou na terça-feira (2) no Diário Oficial da União, a resolução que recomenda o fim da revista íntima no ingresso nos estabelecimentos penais de todo o Brasil. O texto veda quaisquer formas de revista vexatória, desumana ou degradante, como desnudamento parcial ou total, introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada, uso de cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim, ou pedidos para que o visitante dê saltos ou faça agachamento.
A solução seria usar a tecnologia para evitar o constrangimento do cidadão. Máquinas de Raios-X corporal seriam instaladas nas entradas dos presídios, assim como scanner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual.
O maior problema da norma é o custo dos equipamentos, que podem chegar a R$ 2 milhões por presídio. A resolução do Ministério da Justiça não tem força de lei, mas deverá orientar as autoridades penitenciárias estaduais a acabar com os procedimentos de revista vedados pelo Conselho.