Jornalista de formação e especialista em marketing político e campanhas eleitorais pela PUC-SP, Lucas Pimenta avalia, em entrevista ao Brasília Capital, que a comunicação do governo federal tem sofrido críticas por haver uma “grande distância entre a narrativa e a percepção dos brasileiros”. Como exemplo, menciona que a população mais pobre mudou a visão acerca do cenário político. “Se, até 2010 e 2014, a população mais pobre se dava por satisfeita com o auxílio que complementava a renda, hoje o pobre quer ser patrão. E o governo não entendeu isso”.
O presidente Lula trocou, recentemente, o chefe da Secom para passar uma mensagem mais clara aos brasileiros. Qual a sua avaliação acerca da comunicação governamental? — É preciso ter em mente que a comunicação é um dos componentes de um governo. Se a gestão política não tiver sucesso, a comunicação também não terá. A comunicação não consegue tornar bom algo que é muito ruim. No caso específico do governo Lula, vejo alguns problemas. Primeiro, há uma grande distância entre narrativa e percepção. E aí, muita gente fala: “os dados de desemprego estão baixos, a renda subiu, os preços não estão tão altos quanto estavam no governo anterior”. Só que o que importa mesmo é como as pessoas percebem essa realidade. E elas estão cada vez mais exigentes. Mudou muito, por exemplo, a forma como a população mais pobre enxerga a política. E tem essa distância entre o que o governo está comunicando e o que as pessoas percebem. Como consequência, vai ter certa insatisfação. Muita gente achou que trazendo um novo ministro [Sidônio Palmeira], a comunicação iria resolver os problemas do governo. Eu, desde o começo, não tinha crença nisso. Porque tem o problema que é de gestão, de política mesmo.
Você falou que o pobre mudou a visão em relação à política. O que isso quer dizer? — Acompanhei muito a quali [pesquisa qualitativa] na última campanha eleitoral, em diferentes lugares. São Paulo foi um marco de como o pobre mudou a sua concepção. Se até 2010, 2014, a população mais pobre se dava por satisfeita com o auxílio que complementava a renda, hoje o pobre quer ser patrão. E o governo não entendeu isso. As pautas e o ideário do PT estão muitos presos naquele pobre que queria emprego CLT, com vale-refeição, e, por isso, há resistência. O governo vai precisar mudar muito para acertar a comunicação com essas pessoas. O PT e o Lula estão dispostos a mudar aquilo que pensam sobre PJ [pessoa jurídica], terceirização e MEI? Se sim, vai ter diálogo.
Foi por entender esse discurso que o Pablo Marçal quase foi eleito prefeito de São Paulo? — É bem isso. Se você pegar a mancha de votos na cidade de São Paulo, o Pablo Marçal, no primeiro turno, ganhou em subprefeituras na Zona Leste, que, historicamente, são redutos petistas. O morador da Cidade Tiradentes, um bairro residencial, foi seduzido por Marçal. Como já disse, esse brasileiro quer ser patrão, chegar no horário que ele quer, fazer dinheiro da forma que ele quer.
Existe algum outro fator que explica esse fenômeno? — Tem um movimento importante que a gente precisa entender. As igrejas neopentecostais cresceram muito nas periferias. Lá, se trabalha muito a teoria da prosperidade – se você está com Deus, se você trabalha e acorda cedo, você ganha dinheiro. Tem influencers, tipo o Pablo Marçal, que tem esse discurso que é meio Deus, meio “trabalha pra caramba que você vai ficar rico”. Aí o cara vê um candidato que personifica aquilo que ele ouve todo domingo na igreja e acha que é uma mensagem divina. Por mais que o Marçal falasse besteira, fizesse o “m…”, o discurso era casado com o que as pessoas esperavam.
Pensando além da figura do candidato, os partidos também precisam acompanhar essa renovação digital? — Não só os partidos, mas todas as figuras que fazem parte da política. Seguindo no exemplo do governo federal, você tem gente dentro dos ministérios que tem interesses e objetivos diferentes. Quando foi lançado o Seminário Reboot, evento do qual eu vim participar em Brasília, muita gente falou: “vai ter um evento do PL, vai ter evento do PT”. E eu fui olhar a programação deles e o que eu posso dizer é que está muito atrás do que é um evento de marketing político. Representantes do Facebook, do Tik Tok, não fazem a menor ideia de conteúdo. Só vão fazer uma propaganda ferramental das empresas que representam. Talvez o que falta para os partidos é ver que hoje o marketing político é um mercado rico e pode agregar mais.
Alguns políticos têm feito sucesso nas redes sociais, com vídeos descontraídos, caso do prefeito Rodrigo Manga, de Sorocaba. Em 2026, isso vai ser tendência? — A atenção não é apenas parte da comunicação, é o centro dela. O Manga entendeu que se não fizer as pessoas pararem para ouvir, dane-se o que ele tem pra falar. Ele chama a atenção. Todo mundo vê aquela palhaçada. E ele distribui a atenção sustentada para ver quem fica. E se alguém ficar [no conteúdo], ele já ganhou, porque está falando sobre o trabalho dele. Isso deveria ser regra para todo mundo. Vale pro tiozinho de 75 anos que é senador, como para o moleque de 16, do interior. A diferença é o tom que você vai usar. O Manga usa muito humor, interpretação, porque o grande objetivo dele é ser o deputado federal mais votado do Brasil, o que tem um valor político muito grande. E para alcançar isso, a estratégia que ele usa é impecável. Já o João Campos [prefeito do Recife], se você observar, está amadurecendo a comunicação porque vai ser candidato a governador. Continua prendendo a atenção? Continua, mas sem dancinha, piada ou descolorir cabelo. Agora, não dá para abrir mão de fazer campanha ou ter mandato sem fazer comunicação.
Portanto, o eleitor não quer mais ver postagens com data comemorativa e foto de vários políticos lado a lado… — Não, porque não tem atenção. Estava falando com um candidato e ele disse que queria mostrar a família, porque tem um filho novinho, esposa. Eu falei: “Por que não entra você e seu filho no quarto com ela dormindo e tocam uma buzina?”. Aí ele respondeu: “Não, ela vai acordar toda despenteada, xingando”. “Pronto, vamos atingir o objetivo de mostrar sua família”. E depois que ela se trocar, ficar bonita, você faz uma declaração e a gente traz o objetivo de humanizar. Para ele e outros políticos, isso é um absurdo. Só que é isso que prende a atenção. O calendário, dia disso, dia daquilo, ninguém está interessado. Quando você pega um senador, alguém com mandato, é claro que você precisa de alguns cuidados e mostrar mais seriedade, mas sem perder a atenção de vista.
O que você recomendaria para quem deseja entrar na política e se destacar na comunicação digital? — Se você quer entrar na política, saiba que não é brincadeira. Não dá pra entrar na política mais ou menos. Tem que entrar por inteiro. Agora, saiba que você vai ser criticado, vai ter hater (pessoa que posta comentário de ódio) na rede, na rua, em todo lugar. E isso é métrica de sucesso, acredite. Quanto mais pessoas ficarem bravas, com ódio de você, ao mesmo tempo mais pessoas vão te amar. Tenha consciência de que trazer ódio significa trazer amor e é preciso ter os dois. Eu falo muito disso no meu perfil do Instagram, onde trago dicas de marketing político. E tem também a Escola dos Políticos, uma plataforma completa de cursos e formações para assessores, profissionais e candidatos.