Sob o manto do fato consumado – “não dá pra remover milhares de famílias instaladas e causar uma comoção social” –, a grilagem de terras continua sendo um bom negócio no Distrito Federal.
Até há pouco tempo tidas longínquos e perigosos, os assentamentos 26 de Setembro e Maranata se transformaram num ótimo negócio para quem explora os loteamentos irregulares desde o início dos anos 2000.
Isto porque a regularização avançou no Congresso Nacional foi aprovada a toque de caixa no Senado, com apoio de políticos locais e baseada em um projeto do senador Izalci Lucas (PSDB) e relatório favorável da senadora Leila Barros (Cidadania).
“A situação (da região) criou obstáculos tanto para a consolidação da unidade de conservação quanto para a garantia das condições mínimas de desenvolvimento social e econômico de quem reside nos assentamentos”, afirmou Leila.
Lobby
O PL seguiu para a Câmara, onde conta com apoio declarado de praticamente toda a bancada do DF e o lobby da ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL), licenciada do mandato de deputada federal.
A proposta de Izalci exclui duas áreas da Flona, uma delas com 996 hectares, para dar lugar aos assentamentos. “Será que alguém acredita que é possível destruir ou retomar essas 40 mil habitações que estão lá? Então, é necessário…”, disse Izalci.
Leila, por sua vez, afirma que as glebas 2 e 3, onde está o Assentamento 26 de Setembro, representam 44% da área da unidade de conservação. “As duas áreas foram desfiguradas pela ação humana”, argumentou a senadora.
Na gleba 2, na Estrutural, nas proximidades da chácara Santa Luzia, a Justiça determinou a desocupação de uma área de uma franja de 300 metros a contar dos limites do Parque Nacional de Brasília.
Contrapartida
De acordo com o texto, a floresta perderá 4 mil hectares, para fins de regularização fundiária urbana. De outro lado, cerca de 3,7 mil hectares serão acrescentados à Flona. A partir da ampliação e transformação da Reserva Biológica de Contagem – hoje com 3.426 hectares –, será criado o Parque Nacional da Chapada da Contagem.
A atual reserva ganharia da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) uma área de 2.116 hectares, permitindo a constituição de um parque de 5.542 hectares. Mas a área da Fazenda Mestre D’Armas, de 1.807 hectares, também é alvo de uma disputa judicial.
“Essa gleba já foi usada em Vicente Pires, e não deu certo. Agora estão na 26 de Setembro. Ela já foi vendida para o meu tio-bisavô Salviano Guimarães. Toda a divisão judicial da fazenda Brejo do Torto foi alterada no cartório de Brasilinha”, diz Julimar Guimarães, estudiosa do Centro Histórico de Planaltina-DF.
Mesma tecla
A proposta de regularização dos assentamentos em discussão no Congresso é de autoria de Izalci. Entretanto, outro projeto de igual teor (o 2.776/20) foi aprovado em setembro passado, na Comissão de Meio-Ambiente da Câmara dos Deputados mostra o engajamento dos políticos locais com as alterações na Flona. O PL analisado pelos deputados leva a assinatura da deputada licenciada Flávia Arruda (PL-DF).
Negócio da China
Quem invadiu a Flona se deu bem. Um lote de 200 metros quadrados grilado na área custava cerca de R$ 20 mil no início de 2020. Agora, o preço subiu para R$ 100 mil. As imagens dos anúncios (abaixo) impressionam: a floresta atrás do desmatamento tornou-se o cartão de visita dos grileiros.
No final do ano passado, a Polícia Civil desarticulou duas organizações criminosas voltadas para o parcelamento irregular de terras na Colônia Agrícola 26 de Setembro. Além de vender terras públicas, os grileiros as comercializavam em duplicidade. Eles tinham ligações com o crime organizado em Ceilândia, segundo a PC-DF.
As derrubadas de ocupações irregulares são constantes nos assentamentos. Em setembro, por ordem da Justiça, o DF Legal derrubou 30 edificações. Mesmo assim, a ousadia e ímpeto dos grileiros não arrefeceu.
Eleitoreira
A área 3 da Flona foi ocupada irregularmente e o maior núcleo habitacional é a Colônia 26 de Setembro. Trata-se do mesmo local em que o então candidato a governador Ibaneis Rocha (MDB) prometeu, durante a campanha de 2018, construir com recursos próprios casas que haviam sido derrubadas pela Agefis.
Próximo a um novo período eleitoral, políticos de diferentes partidos – PSDB, Cidadania, PL, MDB, Avante, entre outros – tentam ficar bem na foto e conquistar uma fatia do eleitorado de invasores e grileiros, mesmo que o preço seja o comprometimento da capacidade hídrica da Capital da República.