Mario Pontes
Em 1995, por insistência de Maria Amélia Melo, então integrante da equipe editorial da José Olympio, aceitei o desafio de traduzir O Diário de Frida Kahlo, célebre pintora mexicana do século XX. Da platéia, alguém me pergunta, com uma pontinha de sarcasmo:
— Desafio por quê? Afinal a autora era uma latino-americana; falava e escrevia em espanhol, língua tão parecida com a nossa!
Como não estou a fim duelar com o cavalheiro, saio pela tangente e não lhe respondo que são muitas – e enganadoras – as diferenças entre o espanhol e o português. Além do mais, teria de dizer-lhe que nem todo o livro estava escrito em espanhol. Para começar, a introdução tinha sido originalmente uma conferência do poeta mexicano Carlos Fuentes, escrita em inglês e lida em uma universidade do Texas. A ela seguia-se um ensaio, igualmente em inglês, de Sarah M. Love, crítica norte-americana de artes plásticas.
Vinha afinal o Diário da autora. Para começo de conversa, o original não era uma sucessão de folhas brancas sobre as quais alguém houvesse datilografado (ainda não havia computador) um texto contínuo ou dividido em capítulos. Não, o suporte das idéias e revelações da autora eram folhas de papel nas quais ela havia pintado ou desenhado alguma coisa. Isso, somado à caligrafia nada convencional, criava dificuldades a cada página. Além do mais, às vezes Frida se expressava com uma linguagem muito pessoal, um idioleto, ao qual, para consumo próprio, denominei de kahlês.
Mas ainda não era tudo. A tradução tinha de ser feita em prazo bastante apertado. O livro seria impresso na Itália, pela Mondadori; e lá seria lançado, no mesmo dia, em várias línguas. Apesar de tudo, enfrentei a maratona com alegria. Afinal, Frida Kahlo não se notabilizou apenas como artista de grande talento e originalidade. Foi alguém capaz de não se entregar ao desespero, de contrapor ao seu longo sofrimento (um grave acidente de trânsito aos dezoito anos, trinta e cinco cirurgias antes de morrer aos quarenta e quatro) respostas positivas aos chamamentos da vida, bem como aos apelos da política e da participação social em sua conturbada época. E as respostas foram dadas apesar do grande e contínuo sofrimento que foi seu dia a dia, após o acidente de trânsito que a obrigou a passar por trinta e cinco cirurgias antes de morrer pouco depois de ter chegado aos quarenta.
Neste momento, Frida é homenageada no Rio com uma grande exposição no Centro Cultural da Caixa Econômica. E como seria de esperar, encanta o público carioca. As mulheres em particular. Algumas das quais não resistem à tentação de vestir-se como Frida para sair nos blocos de rua do nosso Carnaval.
Uma ao lado da outra
Água em Marte? Vamos lá, cambada!
Ciclovia? Que ofensa!