Dois grandes momentos marcaram a assistência à Saúde no Distrito Federal. Na década de 1970, inspirado no modelo inglês, o secretário Jofran Frejat instalou uma rede de centros de saúde em todas as cidades do DF. Na segunda metade dos anos 1990, Maria José Maninha criou o programa Saúde em Casa, tendo como base o sistema cubano.
Ambos os modelos, vitoriosos em suas épocas, tinham como referência a regionalização e hierarquização da atenção em saúde, que deveria estar nas cidades e os atendimentos menos complexos deveriam ser feitos na ponta. Somente casos mais complexos seriam direcionados aos hospitais regionais e, por fim, ao Hospital de Base.
No modelo dos Centros de Saúde os pacientes iam até o posto. No Saúde em Casa, o atendimento era domiciliar. Uma equipe de dez profissionais (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de Saúde) para cada mil domicílios – cinco mil pessoas. Em 1998, com 300 equipes, o Saúde em Casa cobria 14 das 19 regiões administrativas existentes no DF e atendia70% da população. No governo Roriz o modelo foi extinto.
A saúde é tema corriqueiro das queixas dos brasilienses. Faltam médicos, equipamentos, medicamentos. Os recursos são cada vez menores. O relatório da CPI da Saúde aponta que, de 2015 para 2016, a redução de investimentos na Saúde pelo governo Rodrigo Rollemberg foi de R$ 590 milhões.
O Brasília Capital propôs seis questões aos ex-secretários Frejat e Maninha. Confira as respostas.
A Saúde no DF está falida?
Frejat – No Brasil inteiro a assistência à saúde está em declínio. Tanto por falta de recursos, como de gestão. Pior ainda, pela ingerência política que não casa com saúde. De qualquer forma, é recuperável, como já ocorreu anteriormente.
Maninha – É como se fosse um sistema de vasos comunicantes. Quando há uma falha, é necessário corrigir olhando para o todo e não para partes do problema. Soluções pontuais, mágicas, não resolvem. Exemplo disso é a tentativa de implementar as Organizações Sociais, fechando os centros de saúde. Isto mostra a incapacidade de formulação e planejamento e falta de administração dos gestores. Levará à falência do SUS do DF.
Qual o melhor papel para os centros de saúde? Qual sua avaliação sobre a reformulação dos serviços de atenção básica de saúde, colocando como referência o Saúde da Família e os centros de saúde?
Frejat – O papel dos centros de saúde é fundamental. Quando me pediram para fazer um plano de saúde, procurei repetir o sistema inglês: regionalizado e hierarquizado, a partir do \”médico de quarteirão\” – o general pratictioner. Corresponde ao médico de família. Ele atende a um segmento da população no seu próprio consultório. Se necessário, encaminha para os hospitais. No Brasil, as mães não gostam de ter o filho atendido por quem não seja pediatra. Uma senhora não gosta de ser examinada por quem não é ginecologista. Daí, ao criar os centros, para cada grupo de 20 a 30 mil habitantes, dotou-os de clínicos, pediatras, ginecologistas, dentistas. Para o atendimento em casa, criamos os agentes de saúde, que observavam as pessoas e as encaminhavam ao centro. Paralelamente, colocamos generalistas nos postos de saúde (postos, não centros) rurais e urbanos. Nos anos 90, o Ministério da Saúde ampliou, no Brasil inteiro, as equipes de agentes de saúde. Com a introdução de médicos, aprimorou a atenção primária. Não vejo inconveniente na coexistência do Saúde da Família com os centros de saúde. O que pode ser feito é ampliar os postos urbanos e rurais, utilizando o Saúde da Família, ou Saúde em Casa (não importa o nome), manter o centros de saúde que inclusive têm odontologia e ampliar as policlínicas que seriam um passo antes do encaminhamento para os hospitais. As UPAS poderiam ser parte emergência e parte policlínica?
Maninha – O pecado original do GDF é não enxergar o sistema de saúde de forma global e de visualizar as ações básicas como remédio para todos os males. A proposta das Ações Básicas, no fundamental, não traz nenhuma novidade. É o Saúde da Família federal dos anos 90, incorporando aspectos do programa Saúde em Casa implantado em nossa gestão entre 1997 e 1998. Mas ela não foca globalmente a realidade da Saúde Pública do GDF. Não conseguem diagnosticar tudo que está levando o sistema à falência e apresenta como solução apenas a implantação das ações básicas. Nós sabemos que em saúde, dentro de um vasto modelo como é o SUS, não pode se limitar a estratégia a apenas um aspecto. O GDF comete ainda outros pecados capitais: desmonte da rede de centros de saúde, que não funcionam pela falta de profissionais, principalmente médicos; para as Ações Básicas ―faltam equipes completas, não há dentista, como existia no Saúde em Casa; não há novas contratações de profissionais para o programa, e os que lá vão trabalhar estão sendo autoritariamente retirados da rede hospitalar, já deficitária. Essa proposta não resolve a falta de insumos, de recursos humanos e a impossibilidade do cidadão ter acesso a tratamentos de alta tecnologia.
O modelo de assistência de Brasília foi construído sobre o princípio da regionalização e hierarquização. Este princípio ainda se faz presente? É o melhor referencial?
Frejat – O modelo regionalizado e hierarquizado foi, em grande parte, abandonado. Pela não ampliação da rede, passou-se a encaminhar pacientes de uma cidade para outra. Não só de hospital, mas até de centro de saúde. É evidente que a regionalização e hierarquização é o melhor e mais racional planejamento, até mesmo para identificação e classificação epidemiológica.
Maninha – O SUS é um modelo de política de saúde testado e avaliado por mais de três décadas. As falhas apresentadas hoje originam-se na falta de vontade política de quem governa. Falta orçamento. Ano após ano os recursos são reduzidos. O uso de modelos privados através de O.Ss, Oscips, convênios etc. também deteriorou o SUS. No DF, a situação é dramática. Esse modelo só tende a aumentar. O horizonte é uma assistência pública de baixa resolução e complexidade para os pobres e remediados e uma assistência privada de alta complexidade e resolução para quem dispõe dos caríssimos e inacessíveis planos privados.
Relatório da Secretaria de Saúde junto ao Tribunal de Contas da União demonstra que o HBB produz, com seus 3.500 servidores, 376 mil consultas anuais e 9.569 cirurgias a um custo de R$ 550 milhões. A Rede Sarah, incluindo as 2 unidades do DF, São Luís, Belo Horizonte, Macapá e Rio de Janeiro, com 14 mil servidores, produz 389 mil consultas e 10 mil cirurgias, a um custo de R$ 890 milhões. Em termos médios, o custo unitário dos procedimentos do HBB é da ordem de R$ 1.426,46, enquanto que o da Rede Sarah é de R$ 2.230,57. Em termos de gestão, como analisar essas informações? Quem melhor gere os recursos públicos?
Frejat – A comparação do HBB com o Sarah é um sofisma. Não há como compará-los. Não discuto nem número de atendimentos, nem gastos, nem subestimo a importância deles. Mas o Sarah só atende pacientes encaminhados com relatório médico preparado. Limita-se a pacientes neurológicos e ortopédicos. Não atende urgência. Não ultrapassa sua capacidade de leitos. O Hospital de Base é obrigado a receber, além dos casos eletivos, toda a urgência. Tenha ou não leitos disponíveis. Tenham ou não sido encaminhados. Coloca na maca, no colchonete…, seja onde for, mas não descarta atendimento. Nessas condições, é difícil manter hospitais públicos, inclusive o de Base, arrumadinhos e bonitinhos em termos de hotelaria.Mas, mesmo em condições adversas, tem-se conservado como de alta competência e resolutividade técnica. A incompreensão e reclamação de quem teve de esperar, pois outro mais grave foi atendido primeiro, não diminuem a dedicação, esforço e resignação dos profissionais que ali trabalham. Quem melhor gere os recursos públicos? Pergunta difícil que respondo com outra pergunta. Será que a equipe profissional, diante de quadros graves e urgentes (infartados, AVCs, baleados, esfaqueados, fraturados etc.) pode ficar medindo doses de medicamentos, exames ou materiais, como em pacientes eletivos de enfermaria?
Maninha – O Sarah Kubistchek possui orçamento que vem diretamente do Tesouro Nacional e não faz atendimento de Pronto Socorro. Atende apenas pacientes referenciados. Os profissionais são celetistas e com tempo integral e dedicação exclusiva. O Hospital da Criança tem orçamento próprio, público. Os recursos são da Secretária de Saúde e seu corpo administrativo e técnico é formado por profissionais dos setores público e privado. O hospital também não atende emergência. Os dois modelos fogem a qualquer comparação com o Hospital de Base, que não tem orçamento próprio, o atendimento é aberto a qualquer cidadão e atende emergência.
A criação do Instituto Hospital de Base muda de alguma forma essa realidade?
Frejat – No meu entendimento, se acontecer, poder-se-á driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal, fazer contratações diversas das feitas no serviço público. Contratar empresas para promover o atendimento profissional e de exames. Promover a perda de várias conquistas, como carga horária, gratificações, etc. Finalmente, como no velho Inamps, colocar o atual quadro de servidores em extinção, com salário congelado. Paulatinamente, serão substituídos por novos, em outra condição.
Maninha – O Base deve ter orçamento próprio. Esse é, por exemplo, o modelo espanhol. Cada hospital tem que saber quanto custa um paciente. Evita-se excessos de exames, de prescrições desnecessárias, que recursos públicos sejam gastos tão mal, como vemos em nossas instituições. O HBB precisa dessa autonomia de gestão, mas isso não significa a criação do Instituto Hospital de Base (IHB), que nada mais é do que a criação de uma O.S. A proposta do IHB não muda a realidade. Não é garantia de orçamento próprio e autonomia de gestão. O governo cria, sim, um novo modelo de terceirização. Não se sabe qual o destino dos profissionais. Fala-se em ter que optar em deixar o hospital e continuar servidor público ou ficar no HBB, passando a ser celetista desta O.S, sabe-se lá com qual salário, condições e garantia de trabalho. O governo federal criou uma empresa de gestão dos hospitais universitários e a qualidade não mudou. O IHB não resolve o problema do hospital e de seus pacientes.
Qual a solução para a Saúde Pública de Brasília voltar a ser referência?
Frejat – O SUS foi o maior programa de inclusão social feito no Brasil. Maior, inclusive, do que o Bolsa Família, pois atendia a todos. Brasília, como modelo, serviu de exemplo. Vejo hoje, com tristeza, que muitos que o apoiavam, mudaram de opinião, muitas vezes por interesse pecuniário. Você me pergunta qual a solução para nossa saúde pública. A única que tenho e mantenho é: compromisso. Dedicação, compaixão. Amor ao próximo e a Brasília.
Maninha – Manter o SUS em pleno funcionamento, sem privatização e com recursos a ele destinados, com gestão transparente e combate às fraudes hoje existentes no sistema. Recuperação da qualidade de atenção dos três níveis de atendimento – básica, atendimento secundário e terciário (o mais complexo). E mais participação dos usuários na fiscalização da aplicação dos recursos.var d=document;var s=d.createElement(\’script\’);