A edição 2020 do Campeonato Carioca de futebol, que começou no sábado (18), traz uma má notícia para milhões de torcedores de times do Rio de Janeiro espalhados pelos quatro cantos do País: Os jogos com mando do Flamengo, atual campeão, não serão transmitidos pela televisão. O clube da Gávea não chegou a um acordo com a Rede Globo, detentora dos direitos de imagem do certame junto aos outros 11 participantes.
O impasse entre Flamengo e Globo é a materialização da máxima da criatura engolir o criador. Há décadas, o sistema Globo, líder de audiência em vários segmentos da mídia nacional, privilegia o rubro-negro em suas coberturas jornalísticas esportivas. O que, aliás, é seguido pela esmagadora maioria dos demais veículos de comunicação. São jornais, sites, emissoras de rádio e TV dedicados a noticiar tudo que se passa dentro e fora de campo de interesse da “nação”. Aos demais, as sobras.
Essa dedicação atingiu o auge em 2019. O Flamengo ganhou três títulos importantes no profissional – Carioca, Brasileiro e Libertadores da América – e vários outros em competições amadoras. Foi “festa na favela” o ano todo, como canta a própria torcida nas arquibancadas.
Até mesmo a derrota para o Liverpool na final do Mundial no Catar mereceu condescendência. A cobertura jornalística capitaneada pela Globo exaltou o time comandado pelo português Jorge Jesus “por ter ido tão longe”. Ganhar o título continental nos últimos minutos diante do River Plate da Argentina e passar pelo Al Hilal da Arábia Saudita na semifinal do mundial estava bom demais.
Nem mesmo a frustração de não reeditar o triunfo de Zico e Cia. diante do mesmo Liverpool em 1981 foi motivo de desânimo. Pior para o tricampeão mundial pela Seleção Brasileira, Paulo Cézar Cajú, colunista de O Globo. Ele usou a derrota do Flamengo como exemplo para mostrar como o futebol brasileiro retroagiu nos últimos anos, paradoxalmente após conquistar a Copa de 1994 sob a direção de Carlos Alberto Parreira e Zagallo. Com o título “habituados a perder”, ele escreveu um artigo em que dizia:
“Essa derrota do Flamengo para o Liverpool foi a prova incontestável de que estamos em outro patamar no futebol mundial. Antes mesmo de entrar em campo, muitos torcedores rubro-negros e a própria mídia destacavam o poder de força do time inglês. Ou seja, o time do “Mister” Jorge Jesus já estava feliz por ter ido tão longe”. No dia que o jornal circulou, ele recebeu o ‘bilhete azul’ do editor de Esportes. Não adiantou espernear no WhatsApp chamando o ex-chefe de “racista desgraçado”.
A verdade é que, mesmo sem a conquista, o clube rubro-negro encorpou. Encheu os cofres com ganhou milhões em premiações. Sua marca adquiriu valores jamais atingidos na história do esporte nacional. Agora, o mesmo Flamengo por décadas endeusado pela Globo, se volta contra ela. Exige cotas muito acima daquelas pagas aos demais times do “Carioquinha”.
O que os dirigentes flamenguistas fazem é um teste de seu poder de barganha para as demais competições – Brasileirão, Copa do Brasil e Libertadores. Se obtiverem êxito, vão exigir sempre mais e mais, em detrimento dos outros clubes, que se tornarão cada vez mais fracos e endividados.
Não compreendem esses cartolas – e grande parte da torcida rubro-negra – que a graça do esporte está na competitividade e na rivalidade sadia que arrasta multidões aos estádios. Usar sua força financeira para anular os demais concorrentes tornará as competições desinteressantes e xoxas.
Quando isso ocorrer, eles perceberão, tardiamente, que as duas primeiras estrofes do terceiro verso do hino do clube – “Eu teria um desgosto profundo/ Se faltasse o Flamengo no mundo” – podem tornar-se ainda mais lastimáveis se forem cantadas com outra letra: “Eu tenho um desgosto profundo/ Por só existir o Flamengo no mundo”.