O 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, confirmado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) para acontecer no fim deste ano, embora sem data marcada – será em outubro, novembro ou dezembro –, pode trazer de volta uma conquista para as pessoas com deficiência visual e/ou auditiva: a audiodescrição dos filmes. A “tradução” para cegos e surdos seria feita tanto nos filmes da mostra competitiva (produção nacional) quanto na mostra Brasília (produção local, patrocinada pela Câmara Legislativa).
A possibilidade foi admitida ao Brasília Capital pelo secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, o Bartô. Com isso, ele traria de volta uma conquista de pessoas cegas e/ou surdas obtidas na 40ª edição do Festival, em 2007. “Seria um verdadeiro resgate histórico recuperar este trabalho para o evento de 2020”, comemora o secretário de Cultura da época, Silvestre Gorgulho.
Naquele ano, a “tradução” dos filmes para a linguagem de cegos e surdos foi coordenada pela professora e musicista Dolores Tomé, tendo como operador o técnico de som Édson Santana.
“Foi um trabalho fantástico, de baixíssimo custo, e fundamental para a inclusão dessas pessoas num dos maiores eventos culturais de nossa cidade. Além disso, serviu de exemplo para o restante do Brasil e até para outros países”, recorda Dolores.
“Acessibilidade é condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliados e equipamentos urbanos, dos serviços de transportes e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida. A Cultura Inclusiva é um conjunto de práticas baseadas na valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças individuais, no desejo de acolher todas as pessoas, na convivência harmoniosa e na participação ativa e central da comunidade local em todas as etapas do processo de aprendizagem cultural”, diz ela.
Cego é quem não quer ver
Silvestre Gorgulho também comemora a possibilidade de recriação de uma ideia surgida quando esteve à frente da Secretaria de Cultura do GDF. “Foi quando aprendi uma velha lição: só é cego mesmo quem não quer ver. Essa história, há 13 anos, mudou minha vida e mudou, sobretudo, a relação dos patrocinadores e apoiadores da sétima arte. O exemplo de Brasília despertou a importância da acessibilidade para cegos e surdos nos cinemas e a própria produção cinematográfica”.
O ex-secretário conta que um mês antes da abertura do 40º Festival de Cinema foi provocado pela flautista e educadora Dolores Tomé, então coordenadora do Núcleo de Inclusão Cultural e Social da Secretaria, dizendo que os cegos queriam participar do Festival. “Precisamos desenvolver uma tecnologia para que os cegos tivessem a audiodescrição da imagem da tela (quando não houvesse som) para o perfeito acompanhamento do filme”.
Ele lembra que foram quatro testes no Cine Brasília, com a ajuda do então presidente da Associação Brasiliense dos Deficientes Visuais, César Achkar, e de outros 17 cegos. “Fizemos testes para criar um mecanismo viável com o qual os cegos pudessem assistir ao festival. Começamos com as gravações em estúdio da audiodescrição em DVD dos 18 filmes selecionados. Depois passadas por MP3 para cada cego. Todos aprendemos muito”, emociona-se.
Cidadania – Dolores explica que a audiodescrição funcionou como legenda oculta das cenas, descrevendo os detalhes do filme no momento em que não coincidiam com a fala dos personagens, e legenda em português fora da tela principal para as pessoas surdas. “Com isso, houve a inclusão sociocultural de pessoas cegas, com baixa visão e também pessoas surdas”, explica.
A professora acredita que a volta da audiodescrição ao Festival de Cinema de Brasília será importante até mesmo para o próprio GDF. “A missão do governo é contribuir para que a pessoa possa realizar seu desenvolvimento como indivíduo e exercer a cidadania. Isso incluiu facilitar o acesso a todos a lugares culturais, roteiros e sinopses de shows. E por que não no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro?”.
“A favor de tudo que represente inclusão”
Bartô garante ser “a favor de tudo que represente inclusão”. Por isso, não descarta incluir a audiodescrição no festival dest{e ano. Pondera, apenas, que o orçamento de R$ 2 milhões é muito pequeno, o que pode ser um empecilho. O GDF reduziu em R$ 1 milhão a previsão de investimento no festival em razão do contingenciamento para o combate à pandemia do novo coronavírus.
Também será necessário verificar se é possível adaptar a audiodescrição às plataformas de streaming NetFlix e Amazon, pelas quais os filmes deverão ser exibidos, para garantir as regras de afastamento social estabelecidas pelo GDF. Já está decidido que não haverá projeções nos cinemas da cidade.
“Se os custos puderem ser cobertos pelo orçamento e a tecnologia estiver a nosso alcance, não há por que não adotarmos”, diz o secretário. Segundo ele, até a data do festival está em aberto. “Afinal, assistir filmes de dentro do carro no Cine Drive-In com parabrisa ligado não é fácil”, brinca Bartô, revelando que as condições meteorológicas são um dos aspectos que estão sendo levados em consideração para confirmação do período do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.