Cristovam Buarque (*)
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Em outubro, os discursos dos candidatos não estiveram à altura do que o povo gritou em junho de 2013. Os eleitores não encontraram nas urnas os desejos de mudanças que pediram nas ruas. É como se houvesse um divórcio entre a vontade dos pés caminhando e as pontas dos dedos votando. A campanha, especialmente no segundo turno, foi sobre o passado de cada candidato, não sobre o futuro que eles ofereciam ao país. Os discursos e as publicidades eram de louvação aos próprios candidatos ou críticas e difamações sobre os opositores.
Uma das ilusões da democracia é que o povo escolhe seus dirigentes. Na verdade, o povo vota entre candidatos apresentados por seus partidos. Não é difícil perceber que, por isso, muitos escolheram Dilma com medo do Aécio, e muitos votaram no Aécio porque não queriam a continuidade da Dilma. A opção estava em continuar os mesmos dirigentes ou quebrar os vícios dos últimos dez anos mudando os quadros no poder. E isso faria diferença, mesmo sem significar mudança estrutural, porque uma das qualidades da democracia é o constante recomeço do casamento, a cada quatro anos, entre os novos eleitos com os eleitores.
Depois de anos de corrupção, esgotamento das ginásticas econômicas e desmoralização da contabilidade criativa, insuficiência das medidas sociais, caos e descrédito na prática política e da volta da inflação, o novo governo Dilma começa velho, como um casamento em crise. Junte-se a isso a necessidade de enfrentar a herança maldita – que seu governo criou e sua campanha escondeu -, tomando medidas que até dias antes acusava os opositores de planejar contra os interesses do povo e do país. E o resultado é um governo que se inicia sob desconfiança.
Esta é a realidade com a qual o Brasil vai ter de conviver pelos próximos quatro anos, porque pior do que um governo sob desconfiança seria o rompimento com um governo constitucionalmente constituído. Por isso, é necessário o diálogo que a eleita propôs, mas para o qual a presidente ainda não fez qualquer gesto. Os desgastes do processo eleitoral – irresponsavelmente manobrado por marqueteiros desejosos dos votos no dia da eleição, independente das consequências para o futuro do país – exigem pontes, que não foram usadas no primeiro mandato e foram destruídas no período eleitoral.
O Congresso Nacional dividido em dezenas de minúsculos clubes eleitorais, viciados em acordos barganhados, objetivando o poder pelo poder, comprando ou vendendo apoio para o imediato, sem compromissos para mudar o futuro, não construiu pontes com as ruas. E o novo governo começa cansado, sem pontes nem terreno onde construí-las, passando a ideia de não querer mudar seus propósitos nem sua prática, e falando em diálogo como uma promessa atrasada de campanha.
(*) Professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF