É a primeira vez na história que ‘exilado’ tem apoio do governo. A frase irônica é do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao se referir à fuga do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, seu desafeto, na sexta-feira (19), para os Estados Unidos da América (EUA).
“Eu não entendi por que ele tava fugindo de alguém. Estranho, não é? Vai ser a primeira vez na história que alguém diz que está exilado e tem o apoio do governo. Geralmente é o contrário. As pessoas fogem porque estão sendo perseguidas por um governo”, reforçou.
Maia disse ainda que que “ninguém está sentindo falta dele no Ministério da Educação. Ninguém queria que ele ficasse no Brasil de qualquer jeito, porque, de fato, é uma pessoa que mais atrapalhou do que ajudou”.
Após 14 meses no MEC, Abraham Weintraub anunciou, quinta-feira (18), sua saída da Pasta. Menos de 48 horas depois, ele postou em suas redes sociais que já estava Miami. A fuga foi confirmada pelo irmão dele, Arthur, também exonerado do governo federal.
Passaporte diplomático – Temendo ser preso porque é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, Weintraub entrou nos EUA usando o passaporte diplomático de ministro, mesmo não estando mais o cargo.
A estratégia é porque o país proibiu, em maio, a entrada de brasileiros em razão do descontrole da pandemia do novo coronavírus no Brasil. O ex-ministro contou com a ajuda de Bolsonaro, que só oficializou a exoneração após ele desembarcar em Miami.
A demissão foi publicada no Diário Oficial da União dois dias depois da data real. No dia que pediu demissão, Weintraub anunciou que se mudaria para os EUA para assumir uma diretoria no Banco Mundial.
Na terça-feira (23), após cobranças dos demais Poderes da República e outras instituições, Bolsonaro retificou e, na edição do DOU, em decreto assinado por ele e pelo advogado-geral da União, José Levi Mello, a data foi modificada.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) protocolou, na terça-feira (23), uma representação no Tribunal de Contas da União para apurar a data da exoneração do ex-ministro.
Inquérito – Weintraub fugiu por causa do inquérito que o ministro Celso de Mello, do STF, preparava contra ele, que é alvo de diligências no âmbito da CPI das Fake News e, no dia 17/6, teve seu habeas corpus, protocolado pelo atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, rejeitado pelo Supremo.
Ainda em maio, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, mandou o ex-titular do MEC prestar depoimento em 5 dias à Polícia Federal por ter chamado os integrantes da Corte de “vagabundos”, na reunião ministerial de 22 de abril. Moraes viu indícios de prática de seis delitos.
Além do inquérito das fake news, Weintraub pode ser enquadrado, pelas declarações na reunião de 22/4, por difamação e injúria. Segundo o Código Penal, os outros crimes estão tipificados em quatro artigos da lei que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Se condenado, poderá pegar 6 anos de prisão.
O ex-ministro também cometeu crime de racismo. Na terça-feira (23), o ministro do STF Celso de Mello reconheceu que o inquérito contra Weintraub por este crime tramitará na primeira instância, uma vez que ele foi exonerado do cargo.
Mello determinou que a Procuradoria Geral da República se manifeste sobre onde o caso deve passar a ter andamento – se na Justiça federal ou na estadual. Em abril, Weintraub fez ataques à China e ao povo chinês, em publicação xenófoba nas redes sociais, na qual insinuou que o país seria beneficiado pela pandemia de coronavírus.
Após a confirmação da fuga, Weintraub foi denunciado por partidos de oposição que pedem para que o Departamento de Estado dos EUA “clarifique as condições em que foi cedida a entrada de Weintraub e em qual status ele permanece no país, tendo em vista que não mais representa o governo brasileiro, nem qualquer órgão internacional”.
O ex-ministro corre risco de ser deportado dos Estados Unidos se tiver usado a suposta condição de funcionário do governo para entrar no território americano. Segundo a norma, aqueles que “contornarem a aplicação dessa proclamação através de fraude, deturpação intencional de um fato material ou entrada ilegal serão prioridades na remoção pelo Departamento de Segurança Interna”. No sábado, o MEC disse não ter informações sobre o tipo de passaporte usado por Weintraub para sair do país e entrar nos EUA.
Outros crimes – O ex-titular do MEC fechou dois contratos, de R$ 8,7 milhões e R$ 3,9 milhões, com a empresa de informática Globalweb Outsourcing, ligada Cristina Boner Leo, ex-mulher e sócia de Frederick Wassef, advogado que abrigou Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), em sua chácara em Atibaia (SP). A empresa é administrada por Bruna Boner, filha de Cristina.
Ao todo, a empresa recebeu R$ 41,6 milhões durante o atual governo. O contrato mais recente, segundo informações do UOL/Folha de S. Paulo, de R$ 8,7 milhões, foi assinado em fevereiro deste ano.
A empresa foi contratada para prestar ao MEC serviços de “gerenciamento técnico, operação e sustentação de infraestrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação”. O segundo contrato, de R$ 3,9 milhões, assinado em 31 de dezembro de 2019, é destinado à Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Questionado sobre os contratos, Wassef afirmou que os negócios da empresa não têm relação com ele. No entanto, até 2019, ainda de acordo com o UOL, o advogado era representante legal de Cristina Boner em processos judiciais.
Carlos Alberto Decotelli assume o MEC
O presidente Jair Bolsonaro anunciou o substituto de Abraham Weintraub na quinta-feira (25). O novo ministro da Educação é Carlos Alberto Decotelli, que afirmou, tão logo teve seu nome confirmado, que não pretende fazer uma gestão “ideológica”, ao contrário do antecessor. O ex-ministro era alinhado com Olavo de Carvalho, astrólogo tido como guru bolsonarista.
Em entrevista concedida à jornalista Rachel Vargas, da CNN Brasil, Decotelli disse que não vai fazer “adequação
ideológica”. “Eu sou um gestor de finanças e administração. O presidente falou: aplique a ciência, aplique a integração, para podermos entregar a melhor política pública para a educação no Brasil. Não tenho competência para fazer adequação ideológica”, disse.