Anna Ribeiro (*)
Assim, sem qualquer timidez, a pergunta-convite: me conta um segredo? Do outro lado, o susto. Como alguém pode ser assim tão direta, tão absurdamente invasiva? Pois bem, se é para viver que seja com tudo que a vida requer, incluindo o inesperado. A mente rodava, qual segredo menos secreto, qual segredo politicamente correto pode-se compartilhar com alguém assim tão imprevisível?
Era um primeiro encontro. Os dois ali, prontos para trocar amenidades, um pouco da trajetória de sucesso de um, um pouco das batalhas do outro. Tem feito muito calor, os preços estão abusivos. Sou libriana, sofri um acidente, fui ao mercado. E assim, as conversas mais desconexas estão prontas a dar início aos personagens que criamos. Os primeiros encontros são como entrevistas de emprego. Eufemismos aos montes, minimização dos defeitos, exaltações tímidas das muitas qualidades e o excelente pacote de benefícios que podemos ser e obter se tudo der certo e houver um segundo encontro.
Segredo
Mas, a tal pergunta sobre o segredo quebrou os protocolos. Quebrou as pernas dele. Quebrou a estrutura da entrevista que agora estava muito mais para uma conversa entre dois amigos íntimos. A confissão de um segredo te sequestra, compartilhar o segredo de alguém também sequestra quem houve. Agora, de ouvinte torna-se cúmplice. Compartilham segredos. Eis uma forma muito divertida de começar uma relação.
Convite aceito, os dois riam como se fossem velhos amigos que há muito estavam separados, mas que enfim se reencontraram para dividir lembranças. Aos que assistiam a dúvida: amigos, amantes, namorados. Não era possível saber. Horas e horas se passavam, o café já estava se sentindo rejeitado. Esfriou, virou expectador. Compartilharam ali, num instante, os tombos, as travessuras, os absurdos, os erros, as falhas. Tudo envolvido em humor, afeto, interesse sincero.
Viraram tão amigos, mas tão amigos que desde então passaram a ter segredos juntos.
(*) Escritora