Em vez de indústrias, escritórios ou repartições, eles estão em terminais rodoviários, em calçadões dos centros das cidades e nas portas de lojas. É ali, a céu aberto, expostos a chuva, sol e outras intempéries que trabalham diariamente os vendedores ambulantes. Eles se tornaram uma parcela significativa da população e compõem o chamado mercado informal – aquele tipo de trabalhador que não tem vínculo empregatício com nenhuma empresa.
Não é difícil perceber que essa modalidade de trabalho aumentou bastante. Basta andar nas ruas das cidades que o leitor vai se deparar com vários deles. E não é somente por causa da pandemia. As barbeiragens da política econômica do governo têm contribuído muito para expulsar esses trabalhadores das indústrias e leva-los à informalidade.
Recorde de informalidade
De acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadores que atuam por conta própria em 2021 chegou a 25,4 milhões de pessoas, recorde da série histórica, com altas de 4,3% no trimestre e de 18,1% na comparação anual.
A taxa de informalidade foi de 41,1% da população ocupada no último trimestre, o que equivale a 37,1 milhões de trabalhadores informais no País. No trimestre encerrado em maio do ano passado, a taxa ficou em 40% e no mesmo trimestre de 2020 estava em 38%.
Em entrevista à Agência Brasil, a analista da pesquisa, Adriana Beringuy, ressalta que um dos motivos que leva as pessoas para o trabalho informal é a baixa remuneração nas empresas. Ela ressalta que o rendimento real habitual caiu 4,3% na comparação trimestral e 10,2% na anual, ficando em R$ 2.489 em agosto, as maiores quedas percentuais da série histórica, reflexo do aumento da informalidade.
“Tem indicadores associados ao conjunto da força de trabalho que ainda apresentam um quantitativo que é desfavorável. A gente está operando com rendimento em queda, ou seja, embora haja mais pessoas trabalhando, a remuneração desse contingente maior é, em média, menor”, acrescenta ela.
Curso de radiologia pago com trufas
Thays Mel Ribeiro, 20, moradora de São Sebastião, faz o curso de radiologia, mas está desempregada. Para sobreviver e pagar a faculdade, vende trufas numa bandeja. A menina de sorriso fácil e sinais aparentes de juventude chega a vender 150 unidades por dia. Ela começa a trabalhar das 15h e para as 17h. Cada bombom custa R$ 3.
“Pago a mensalidade da faculdade de R$ 1 mil e ainda sobra dinheiro. Por enquanto, está bom assim. Moro com meus pais e não pago aluguel. Não é fácil encontrar um emprego que me pague bem assim”, disse ela.
O deputado Chico Vigilante (PT) corrobora com a visão de Thays. “O salário mínimo deste ano foi fixado em R$ 1.212, o que equivale a 224 dólares. Esse achatamento representa o empobrecimento da classe trabalhadora, uma vez que, em 2011, no governo do PT, era equivalente a 326 dólares. O valor, comparado com hoje, mostra que houve perda de 102 dólares no nosso salário mínimo. Precisamos mudar essa realidade votando em pessoas que tenham compromisso com a classe trabalhadora nas próximas eleições”, destaca ele.
O engodo da Reforma Trabalhista
Um levantamento do PnadC/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) revela que, no mercado de trabalho, havia, inclusive, sinais de piora antes do início da pandemia. A partir da implementação das reformas trabalhista, previdenciária e do teto de gastos, medidas defendidas pelo governo e seus apoiadores como solução para a economia brasileira, os problemas se intensificaram.
A reforma trabalhista, que passou a valer em novembro de 2017, prometia a melhora do ambiente de negócios e a geração de milhões de empregos formais, inclusive por meio da criação dos contratos intermitentes. Bem diferente da promessa, o que se assistiu a partir de então foi o aumento do desemprego e da informalidade, queda da renda do trabalho e um movimento de precarização generalizada.
De pedreiro a vendedor de máscara
Isso foi comprovado pela reportagem do Brasília Capital que percorreu dois dos principais centros comerciais do Distrito Federal: a Rodoviária do Plano Piloto e o centro de Taguatinga. Os ambulantes já tomaram conta das plataformas inferior e superior do terminal e das calçadas nas imediações da Praça do Relógio, em Taguatinga, onde a “invasão” ocorre até na frente das lojas.
Willian Nunes, 38 anos, mora na casa da mulher, em Ceilândia, e tem cinco filhos. Pedreiro de profissão, abandonou o ofício desde quando começou a pandemia de covid-19. Nunca mais arrumou um serviço na área. O jeito foi partir para a informalidade.
Por ironia do destino, hoje vende um acessório usado para proteger o mesmo flagelo que congelou as vagas de emprego da sua profissão: as máscaras contra o coronavírus. Além desse item, comercializa também acessórios de celular. “Tento programas do governo, mas nunca consegui. Fui esta semana no CRAS de Ceilândia, me deram um número para ligar e nunca consegui”, lamenta.
Quando era pedreiro, Willian tirava de R$ 3 mil e R$ 5 mil livres. Como camelô não consegue fazer nem R$ 100 ao dia. “Hoje (26/1) não vendi nada até agora. Mas é o único meio de sustentar minha família até que apareça algo melhor”, lamenta.
Comércio formal é prejudicado
A falta de espaço na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto devido à instalação de mercadorias em frente às lojas fez com que os camelôs invadissem a faixa de pedestre que liga o terminal ao Conjunto Nacional. Para o dono de uma livraria, que pediu para não se identificar, a presença deles ali afeta o comércio formal. “Eles bloqueiam a passagem dos clientes e os abordam de forma incisiva”, reclama.