Ana Clara Mendonça
Desde o dia 23 de maio, farmácias e drogarias de todo o Brasil estão obrigadas a reter a receita médica na venda de medicamentos que reduzem o apetite e aumentam a saciedade, popularmente conhecidos como “canetas emagrecedoras”. Esses produtos funcionam ao imitar a ação do hormônio glucagon-1 (GLP-1) no corpo, diminuindo os níveis de açúcar no sangue e podendo auxiliar na perda de peso.
A medida foi determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para conter o uso indiscriminado desses medicamentos, cujo consumo tem crescido vertiginosamente fora das indicações clínicas estabelecidas.
A partir de agora, a receita médica de Ozempic, Wegovy, Mounjaro e outros deve ser apresentada em duas vias. Uma delas ficará retida na farmácia, como acontece com antibióticos e antidepressivos. A validade da prescrição é de 90 dias, e a venda deve ser registrada no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC).
ABUSOS – Apesar da rigidez da nova regra, o uso off label, prática de prescrever o remédio para finalidades não previstas na bula, segue permitido, desde que haja respaldo médico, avaliação de risco-benefício e consentimento informado do paciente. A decisão da Anvisa foi baseada em dados do sistema VigiMed, que apontaram aumento expressivo de eventos adversos relacionados ao uso desses fármacos.
O alerta é respaldado por diversas entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Sociedade Brasileira de Diabetes, que reforçam a importância da prescrição criteriosa e da vigilância contra a automedicação.
Segundo as instituições, a grande procura pelos medicamentos para fins estéticos vem prejudicando o acesso de quem realmente precisa, especialmente pessoas com diabetes tipo 2.
“A demanda principal do remédio – cerca de 60% – é por emagrecimento ou fins estéticos. Muitas vezes, a medicação falta para quem faz tratamento para diabetes”, afirma o farmacêutico de uma rede de Brasília, que preferiu não se identificar.
Para ele, a exigência da receita pode diminuir abusos, mas não resolve o problema por completo. “Qualquer médico pode prescrever. Talvez o ideal fosse limitar a prescrição apenas a especialistas como endocrinologistas e nutrólogos”.
A experiência de quem usou
Entre os medicamentos mais procurados está o Mounjaro (tirzepatida), com doses que chegam a custar mais de R$ 2,3 mil fora de programas de desconto. Também muito popular, o Wegovy tem preço médio de R$ 1,5 mil por dose.
Camilo fez uso de dois produtos durante um ano, sempre sob orientação médica – Foto: Arquivo pessoalO empresário Gabriel Camilo, 29 anos, morador de Vicente Pires, pesava 120 Kg e usou canetas emagrecedoras por cerca de um ano, com acompanhamento de endocrinologista e nutricionista. Durante esse período, perdeu 30 Kg.
“Minha qualidade de vida melhorou muito. Além da perda de peso, mudei totalmente o estilo de vida”, conta. Gabriel começou o tratamento com Ozempic e depois migrou para o Mounjaro.
Apesar de um início de tratamento com náuseas, Gabriel relata que não teve grandes efeitos colaterais. No entanto, ele reconhece os riscos. “Os riscos do uso indiscriminado me preocupam. Se a pessoa não muda a cabeça, não adianta. A caneta sozinha não resolve, é preciso mudar o estilo de vida para o resto da vida. Senão vai gerar consequências”.
Nem milagre, nem vilão
Para o endocrinologista Wandyk Alison, as canetas devem ser utilizadas com critério. Elas são indicadas para pacientes com obesidade e sobrepeso com comorbidades, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, entre outras.
Os medicamentos atuam em receptores de GLP-1 (e GIP, no caso do Mounjaro), promovendo saciedade, redução do apetite, controle glicêmico e diminuição do peso corporal. Os resultados mais expressivos surgem após 12 a 16 semanas de uso contínuo, associados a mudanças no estilo de vida.
Segundo o médico, efeitos como náuseas, perda de massa magra e efeito sanfona, são esperados. O uso indiscriminado e sem acompanhamento pode gerar outras consequências.
“Sem acompanhamento médico, o risco de efeitos adversos e rebote pós-tratamento aumenta drasticamente. A pessoa pode ter desidratação, distúrbios alimentares e hipoglicemia, além de fazer más interpretações de sinais de alerta, como dor abdominal e constipação”, alerta o especialista.
Para ele a caneta não é milagrosa nem vilã. É um artifício de alta eficiência que, quando bem indicado e acompanhado, pode ser aliado no combate ao sobrepeso. “O uso das canetas pode trazer malefícios, mas, por outro lado, há casos de pessoas no limite do sobrepeso com baixa autoestima, compulsão ou inflamação crônica, que se beneficiam enormemente com o uso bem indicado”.
O endocrinologista afirma que o controle da medicação é necessário e eficaz, mas não suficiente, uma vez que a venda ilegal pela internet e redes sociais ainda permite o uso indevido.
“A medida desencoraja a automedicação e ajuda a rastrear prescrições abusivas. Mas, com o acesso ilegal pela internet, é necessário promover orientação ética sobre prescrição e ampliar a regulação de vendas on-line”, conclui Wandyk Alison.