O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF), Roberval Belinati, sugere que as futuras escolhas de conselheiros tutelares ocorram simultaneamente às eleições gerais de parlamentares, governadores e presidente da República, para aumentar a participação popular.
“Os eleitores deveriam votar no mesmo dia das gerais. Você votaria para presidente e governador numa urna, e o mesário pediria que, em outra urna, a pessoa votasse para conselheiro tutelar da sua região”, explicou, em entrevista ao CB-Poder.
A medida pode aumentar em muito a participação dos eleitores, mas, com certeza, acirrará a partidarização da eleição. Mesmo que venha a ser proibido, políticos tradicionais iriam fazer “dobradinhas” com candidatos a conselheiros.
Sem a simultaneidade eleitoral, a interferência ideológico-partidária já é grande. Nas redes sociais, personalidades como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), a senadora Damares Alves (Republicanos) e as deputadas Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli (PL-SP) conclamaram evangélicos e conservadores a se fazerem presentes.
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) difundiu vídeo afirmando ser a eleição de conselheiros “a oportunidade de barrar o avanço das esquerdas”. Bia Kicis disse ser necessário “eleger candidatos que defendam nossas crianças de pautas nefastas, como a ideologia de gênero”.
Inquisição digital – Candidatos a conselheiro foram alvos de uma inquisição digital, como se disputassem uma cadeira no STF ou no Congresso Nacional. Alguns foram compelidos a responder sobre suas posições “quanto à legalização do uso de maconha para uso recreativo; sobre a legalização do aborto, além dos casos hoje já permitidos por lei; ideologia de gênero; ‘hormonização’ em adolescentes para mudança de sexo”.
Questões que não dizem respeito à função de um conselheiro tutelar, ao qual cabe a já laboriosa função de fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja respeitado e que as crianças não sejam alvo de violência.
Conselhos comunitários, como o Tutelar, da Educação, da Saúde, da Segurança, dentre outros, são instrumentos de democracia direta, que a Constituição trouxe para realidade nacional. Democracia direta é aquela em que o cidadão, sem intermediação da classe política, exerce seus direitos e deveres.
Definitivamente, esses fóruns não devem dar lugar à partidarização. A proposta de Belinati iria acirrar ainda mais a disputa entre os potenciais futuros conselheiros. A separação de agendas não só é positiva, como necessária. Do contrário, os conselheiros, nos mais diversos fóruns, se transformarão em simples elos da cadeia de comando partidário.
Relativização
A eleição para conselheiros tutelares foi festejada pelo GDF e pela Justiça Eleitoral como exitosa. O TRE-DF destacou que este ano foram 232 mil eleitores, contra 156 mil em 2019. Crescimento de 49%. Mesmo assim, nove entre cada dez eleitores brasilienses ignoraram o pleito.
Para ampliar a participação, o TRE sugere que a escolha dos conselheiros aconteça juntamente às eleições gerais, o que pode desvirtuar os Conselhos. As estatísticas deste ano precisam ser relativizadas. O eleitorado cresceu mais de 6% desde 2019 e o DF ganhou novas Regiões Administrativas, o que implicou na eleição de um maior número de conselhos.
Este ano, foram eleitos 220 conselheiros tutelares, 10% a mais do que na última eleição, e 420 suplentes. Mais eleitores aptos a votar, mais candidatos, mais conselhos operando, certamente implicaria numa participação maior dos cidadãos.
Entretanto, o quórum registrado é ínfimo: 10,5% agora e 7,6%, há quatro anos. Múltiplas são as razões desse quadro: desconhecimento do papel dos Conselhos, desinteresse social e, principalmente, uso inadequado dos territórios das zonas eleitorais em contraste com os territórios das regiões administrativas.
Falta de vínculo com a cidade
No Park Way, onde existem cerca de 15 mil eleitores, apenas 4.986 estavam aptas a votar e 1.042 o fizeram. Acontece que só estavam aptos a votar nos candidatos do bairro aqueles registrados na seção eleitoral na Vargem Bonita, única existente no bairro.
Os demais eleitores do Park Way, registrados na Zonal 10, tinham que votar no Núcleo Bandeirante, cidade onde não possuem vínculos. Essa zonal também acolhe os moradores da Candangolândia e do Riacho Fundo.
O problema verificado para moradores do Park Way se repetiu para aqueles dessas duas outras cidades que, por acaso, não tenham suas seções eleitorais em suas próprias cidades.
No Jardim Botânico, num universo de 13.044 eleitores, foram registrados 1.536 votos. O bairro está na 18ª zona eleitoral, a mesma dos residentes no Lago Sul e São Sebastião. Quem não estava inscrito em sessões eleitorais inseridas na poligonal territorial do bairro ficou impedido de votar.
Nada mudou – Casos como esses se repetiram em cinco outras zonas eleitorais que abrigam mais de uma Região Administrativa. Há quatro anos, trouxemos essa realidade nesta coluna, mas nada mudou.
O TRE divide as 35 regiões administrativas do DF em 19 zonas eleitorais. Enquanto isso não for corrigido, milhares de brasilienses serão impedidos de exercer plenamente a sua cidadania.