Em entrevista ao Sinpro-DF, a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Corrêa, faz uma análise da situação da educação pública e gratuita após os dois últimos governos e comenta o encontro que a Confederação teve com o ministro da Educação Camilo Santana. Segundo o presidente da CNTE, Heleno Araújo, os trabalhadores conseguiram atingir os dois objetivos da entidade. “Atingimos nossos objetivos, que eram apresentar nossa pauta de reivindicações e estabelecer o diálogo com o MEC após seis anos sem esse debate sistemático”, disse o dirigente.
Rosilene Corrêa, diretora da CNTE e representante do Sinpro-DF na entidade nacional do magistério, participou do encontro e, segundo ela, a reunião pode ser vista como o início de um trabalho conjunto, como aquele que proporcionou êxitos nos primeiros governos de Lula. Em entrevista para o sindicato, a professora aposentada, ex-dirigente do Sinpro, analisa a situação atual da educação, faz um balanço da “terra arrasada” que os governos Bolsonaro e Temer deixaram no setor e mostra as novas perspectivas com o governo Lula.
O governo federal ficou seis anos sem atender às entidades representativas do magistério. Qual o impacto disso?
Da perspectiva nacional e considerando a política do MEC, passamos 6 anos sem nenhum diálogo e sem o cumprimento das leis. O prejuízo é imenso para a categoria do magistério e mais ainda para os estudantes. Um exemplo é o não cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), que ficou parado. Os dois governos anteriores simplesmente não cumpriram o PNE. Além disso, é importante destacar que a política pública denominada educação precisa de diálogo entre as partes para a sua própria construção e busca de alternativas para assegurar avanços não só das condições de trabalho e das melhorias nas tabelas salariais da categoria. É preciso diálogo, porque a educação necessita de ser pensada e elaborada coletivamente. Por isso a gestão democrática é indispensável no fortalecimento da educação pública. A educação deveria ser feita com a participação de todos os segmentos da sociedade. Aí sim, a gente teria chance de ter uma educação pública forte, gratuita, laica, libertadora, inclusiva, de qualidade socialmente referenciada.
Quais os prejuízos dessa falta de diálogo dos governos anteriores com a educação para os estudantes e para a educação pública?
A educação acompanha a humanidade. As coisas vão acontecendo e a educação precisa ser repensada e melhorada a todo momento. Sem diálogo essa melhoria não acontece. Esse é um impacto que repercutiu também no Distrito Federal. Aqui não foi nem a falta de diálogo, mas sim a completa falta de uma proposta de educação nesse período todo. Nacionalmente, embora não tenha tido diálogo, na questão financeira, como já existia a Lei do Piso, sancionada pelo segundo governo Lula, em 2008, todos os anos tivemos reajustes, embora com muita luta pela categoria nos estados e municípios do País para que a lei fosse cumprida todos os anos. Isso falando em Educação Básica. Contudo, quando vamos para a educação superior o impacto foi violento, de destruição e de cortes financeiros.
Qual a importância dessa reabertura MEC ao diálogo com as entidades representativas do magistério?
A reabertura é o esperado de um governo que respeita a democracia e reconhece a representatividade das categorias. No nosso caso, da CNTE, é muito importante porque somos uma entidade classista que luta, historicamente, em defesa da educação. O ministro Camilo Santana se colocou numa lógica de Mesa Permanente de Negociação para debater todos os pontos que precisam ser revistos e outros que precisam de reiniciação de debate. Tem questões muito urgentes, como a própria Lei do Piso. É preciso criar mecanismos de garantia de que a lei seja cumprida, que a gente não fique com o piso numa lógica de teto. Muitos governantes estão achando que atingindo o piso está cumprindo e que está tudo bem e não precisa discutir para além disso. Há também os demais profissionais da educação, que são outros trabalhadores do setor para além do magistério, que não são contemplados pela Lei do Piso. Essa é uma pauta antiga que precisamos avançar e precisa também da nossa luta. Estamos falando de um país que foi destruído e a educação foi brutalmente atacada. É preciso ter muita disposição de diálogo.
Na campanha salarial de 2022 e deste ano, a palavra valorização é o mote de todas as reivindicações. Qual valorização que o magistério precisa agora?
A luta pela valorização da carreira do magistério é histórica. Nunca esteve no topo das prioridades. E valorização passa, obviamente, por um bom salário, e pelas condições de trabalho, pela carreira. É um pacote. Temos como exemplo claro a situação do DF, que já ocupamos o primeiro lugar das tabelas salariais do magistério no País e hoje não estamos entre os três primeiros salários. E é uma realidade geral de baixos salários e condições ruins de trabalho.
Outra palavra que faz parte da luta do magistério é “reconstrução”. Você pode nos dar um panorama da demolição que o governo anterior fez na educação e quais as perspectivas no novo governo?
O governo anterior deixou um rastro de desmontes de toda natureza, desde não ter mais construção de creches, de novas escolas e isso está causando superlotação nas nossas salas de aula e leva o professor ao adoecimento; não houve nenhuma força-tarefa para uma recomposição do período da pandemia da covid-19, pós-período de aulas virtuais em que uma grande parte de estudantes do Brasil não tem acesso a essa escola virtual e o MEC, na época, não tomou nenhuma providência, nenhuma proposta com esse objetivo, nem mesmo uma busca ativa desses estudantes que foram expulsos da escola e não retornaram. Outro ponto importante colocado na reunião com o ministro foi o da conectividade. E ele apresentou isso como um dos pontos a serem trabalhados, mas de garantir não só a Internet, mas também o acesso a ela, como cursos, para que se tenha uma ferramenta pedagógica também. O que não podemos ter é uma educação que tenha na sua centralidade apenas resultados. Não podemos sustentar uma educação meritocrática e pronto, que não leve em consideração essa formação global do ser. Precisamos voltar para um processo civilizatório e é a partir da educação que conseguiremos fazer isso.
A categoria, nacionalmente, tem pedido a revogação da reforma do Ensino Médio, melhorias na Lei do Piso, e, no caso do Sinpro-DF, uma reestruturação de carreira. Como analisa esse tipo de reivindicação e a possibilidade de elas terem reverberação positiva neste novo governo?
O Novo Ensino Médio é a nossa pauta central, tanto na CNTE como dos sindicatos e do movimento do magistério em todo o País. É a prioridade das prioridades. É urgente rever esse projeto mercantilista produzido por governos autoritários, que não consultaram a sociedade e impuseram um projeto de Ensino Médio segregador e que impede a construção do conhecimento e da cidadania por meio da escola. Um dos grandes apelos para a sociedade não questionar o Novo Ensino Médio, o chamado NEM, era o discurso da “liberdade” de escolha para os estudantes, o que não é real. Isso não se concretizou em nenhum lugar do País e, ao contrário, era uma estratégia para se eliminar matérias do currículo escolar e demitir professores.
Quais os principais malefícios do Novo Ensino Médio?
Essa reforma buscou impedir o acesso dos 80% dos jovens que frequentam o Ensino Médio e Fundamental do Brasil às ferramentas básicas de conhecimento para a cidadania política e econômica. Implantou bases privatistas e mercantilistas que impedem a juventude da classe trabalhadora da escola pública de ter em sua vida adulta a participação ativa como sujeitos autônomos na vida social, política e cultural. Também impede essa juventude de se inserir de forma qualificada no mundo da produção e alcançar a autonomia financeira. Como bem analisou o educador Gaudêncio Frigotto, “o ‘novo’ esconde seu caráter anacrônico, regressivo que anula o que se buscou no processo de redemocratização do País e os avanços da Constituição de 1988”.
E o que pode mudar com o atual governo?
Na nossa conversa com o ministro, ficou entendido que vamos construir outra proposta, ouvindo a sociedade, porque esta impacta negativamente na vida dos professores e orientadores educacionais. Por exemplo, na realização de concursos públicos para o magistério. Ainda inspirada na avaliação de Frigotto, destaco que o NEM “faz parte da manutenção e do aprofundamento do apartheid social posto em curso nos últimos 5 anos, além de consolidar contrarreformas que rasgam a Constituição de 1988 por meio de uma política de liquidação do patrimônio comum dos brasileiros; do desmonte da esfera pública e de uma a uma das políticas sociais e de inclusão para diminuição da desigualdade social, da fome e da pobreza; e o aniquilamento da pesquisa científica no curto prazo pelo corte absurdo do financiamento e, em longo prazo, pelo desmonte da educação básica e das universidades públicas”.