A convite do governador Ibaneis Rocha (MDB), Zélio Maia, 53 anos, assumiu a direção-geral do Detran em 2 de março. Quinze dias depois, a cidade parou, após o decreto de isolamento social devido à pandemia. Com isso, ele teve um mês para projetar o que faria em sua gestão. Após cinco meses, Maia garante que inaugurou um novo tempo na autarquia. Tempo em que as políticas de trânsito têm como foco a inovação, a educação e a humanização, envolvendo todos que usam as vias do DF.
Formado em Direito pelo UniCeub, advogado há 30 anos, ex-conselheiro da OAB-DF e professor universitário, Maia vem fazendo um pente-fino nos contratos do Detran. Paraibano de Catolé do Rocha, ele brinca com a reação dos fornecedores que não resistem à sua política de redução de preços na compra de serviços na área de tecnologia, que estão pedindo para sair. “É como a gente diz na Paraíba: não aguentam o arrocho”.
Seguindo o exemplo de Luís Miúra, o ex-diretor do órgão falecido na segunda-feira (17), que implantou o respeito à faixa de pedestres, Maia assume como missão preservar vidas e estimular a civilidade do trânsito. Acabou de lançar um aplicativo que oferece serviços na palma da mão do usuário e um portal na internet com mais segurança, interface moderna a agilidade.
Outra preocupação é a aplicação do dinheiro público. “Não é uma coisa que não tem dono. A coisa que mais tem dono é o dinheiro público”, diz, para traçar mais uma meta – a reestruturação administrativa no Detran, com a realização de um concurso público. Conheça as ideias de Zélio Maia nesta entrevista ao Brasília Capital.
Que rumo o senhor pretende dar ao Detran em sua gestão? – O Detran não administra carros, e, sim, 3 milhões de pessoas. Ao assumir, pensei no tripé humanização-educação-inovação. A imagem era desgastada. O cidadão era mal tratado, o atendimento demorado. Humanização não se alcança sem educação. Uma entidade de trânsito que apenas multa era muito ruim. Obviamente que no meio do processo de educação você pode chegar a multar. Mas, primeiro, tem que esclarecer e orientar. E o terceiro ponto que imaginei foi a inovação.
Isto significa investir tem tecnologia… – Também. Mas falo na questão de gestão. Mas percebi que teria de colocar mais uma perna, formando um “quadripé”: a economia de gastos.
Cite exemplos. – No dia 17 de março, começou a suspensão das atividades devido à pandemia. Chegou à minha mesa um orçamento de R$ 5,75 milhões para comprar máscaras e luvas. Chamei todos os fornecedores do Detran e falei: “vocês trabalham aqui há vários anos, recebendo dinheiro. Então, cada um fará uma doação à entidade”. Hoje nós temos 2 mil máscaras sobrando e não gastamos nenhum centavo. Outro exemplo foi quando analisei contratos. Sou procurador de Estado e professor de Direito Administrativo. Tenho facilidade para analisar contratos. Veio uma licitação de R$ 58 milhões de pardal para captar veículos que avançam o sinal vermelho. Existia outro contrato e estava sendo lançada uma nova licitação por 30 meses. Chamei o presidente da comissão e falei: “aqui tem um primeiro levantamento de preço de R$ 25 milhões, vamos fazer com base neste de 25”. “Mas isso vai fazer com que não apareça empresa”, ele argumentou. “Eu banco”, decidi. Feito o pregão eletrônico, assinei o contrato no dia 24 de julho por R$ 15 milhões, uma redução de R$ 40 milhões, 300% a menos. Então, é aquilo que falei: eu tinha a ideia de um tripé: humanização-educação-inovação, mas adicionei a economia.
O que será feito com o dinheiro economizado? – Entre outros, investiremos na educação, na humanização e evidentemente na inovação (também tecnológica). Já temos no ar um aplicativo pelo qual o cidadão tem na palma da mão os serviços do Detran e um novo portal. Por essas ferramentas é possível fazer os agendamentos para vários serviços do Detran.
O investimento em educação vai melhorar os canais de comunicação do Detran com a sociedade? – Com certeza. Não podemos deixar de lembrar o exemplo da faixa de pedestres. O que transformou Brasília em referência no respeito à faixa foi educação e informação, com a campanha Paz no Trânsito. É preciso abrir os olhos e enxergar o que já existiu de bom e replicar.
O foco são os condutores? – Educação é de todos: do condutor, da criança, do ciclista, do pedestre, do corredor de rua. Hoje, temos novos condutores, que são os profissionais e autônomos entregadores de aplicativo. Todos têm de ser educados para compartilhar o mesmo espaço.
Sua condução no Detran é semelhante a um motorista que faz um cavalo-de-pau para mudar de direção. Não teme ser “multado”? – Se fôssemos falar de todas as situações de economia que eu já proporcionei, ficaríamos aqui mais meia hora falando sobre isso. Outra foi a manutenção de veículos. O Detran gastava até R$ 900 mil por mês. Agora, gastamos R$ 156 mil. Óbvio que estamos mexendo com muitos interesses. Algumas empresas da área de tecnologia, literalmente, estão pedindo para sair. É como a gente diz na Paraíba: não aguentam o arrocho.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Vai sobrar pirão para os usuários do Detran? – É aquela coisa: “o Detran tem dinheiro sobrando”. Não. Pode sobrar se aplicado corretamente. Tem-se a noção de que, por ser dinheiro público, não vale. Pelo contrário, o dinheiro público é aquele com que se deve ter mais cuidado. Como gestor, não tenho direito de gastar mais; eu tenho a obrigação de gastar o menor valor possível para adquirir aquele produto. Não tenho outra opção. Tenho de escolher o menor preço.
É uma exigências da lei 8.666… – Exatamente. E da Constituição.
Como isso reflete, na prática, no atendimento ao público? – Por exemplo, quando assumi, atendíamos 1.200 pessoas presencialmente em Taguatinga. Criamos um sistema de agendamento, e hoje atendemos 200 pessoas. Essas 1000 pessoas estão sendo atendidas remotamente. Antes, 20% dos atendimentos no balcão eram para pegar a segunda via do CRLV. Hoje, é zero. Você baixa pelo celular.
E tem validade no celular ou a pessoa precisa imprimir? – Basta andar com o celular na mão, igual quando você vai fazer embarque no avião. Pode imprimir. Mas tem que tomar cuidado com o QR Code, que precisa estar claro, porque o agente de trânsito vai ler o QR Code para saber se o veículo é realmente o que consta no documento.
Teria outros exemplos de solução tecnológica para facilitar a vida do cidadão? – Na quinta-feira (13), assinei uma Instrução de Serviço autorizando os cartórios fazerem comunicado de venda eletronicamente ao Detran. A pessoa vendeu o carro, preencheu o DUT, colocou “autorizo a transferência do veículo para Fulano”. Entregou o carro. Não precisa mais comunicar a venda ao Detran. Com essa Instrução de Serviço, no momento que o vendedor for ao cartório, reconhecer firma, o cartório comunica o Detran remotamente e o cidadão não precisa mais fazer nada. O comunicado de venda já foi feito. Outro exemplo: emprestei meu carro para Fulano, que andou a 200 Km/h numa via de velocidade máxima de 60 Km/h. Um dia, recebo a notificação. Antigamente, ou seja, até uma semana atrás, eu tinha que falar com ele, pedir os dados para transferência da multa e abrir o processo para transferir os pontos na CNH. Hoje, no nosso aplicativo, coloco o número da infração e o CPF de quem foi o infrator e está resolvido.
O senhor acha viável a criação da chamada Zona Verde em Brasília? – O Detran participa dessa discussão colateralmente, porque o projeto da Secretaria de Mobilidade é pegar um espaço público destinado a estacionamento e cobrar por isso. O Detran não tem o poder para definir dessa política. Ela é do governo, produzida pela Semob. Uma vez concluído que o espaço A ou B pertence à Zona Verde, uma empresa vai cobrar pela ocupação daquele espaço, que não é administrado pelo Detran. Já os espaços que sobrarem competem ao Detran, que poderá até multar por conta de ocupação irregular.
Já que o Detran ficará com a “parte podre”, que é multar quem estiver fora das áreas permitidas, por que não administrar tudo? – Porque é administrar para cobrar o uso de um espaço público, o que não é competência do Detran. Ao Detran compete zelar. Vou dar um exemplo: a Secretaria de Mobilidade faz o traçado urbano. Define o que é estacionamento e o que não é. Em várias cidades do mundo, várias ruas são completamente tomadas de carro. Naquele espaço, o órgão de trânsito não vai ter gerência nenhuma. É uma atuação colateral. Ai você está certo. Vai sobrar para o Detran o que você chamou de “parte podre”. Se aquele espaço não é destinado, segundo o traçado da mobilidade, para estacionamento, então está estacionado irregularmente. Como ocorre hoje na Esplanada dos Ministérios, com carros parados onde não deveriam. Aí temos que atuar.
Há algum tempo, na gestão do ex-diretor José Lima Simões, discutiu-se implantar a Zona Verde no centro de Taguatinga, a título de experiência. Por que não retomar essa ideia, em vez de começar o projeto pelo Plano Piloto, gerando tanta polêmica? – Você trouxe uma memória histórica que me levou a outra memória, da época do ex-governador Joaquim Roriz, criando a Zona Azul, no Setor Comercial Sul. Deu confusão. Os veículos que não estacionavam no SCS foram para as quadras residenciais adjacentes. Repito: o Detran participa dessa discussão apenas colateralmente, mas o que eu tenho visto nos debates é que a discussão do governo é cobrar também nas zonas residenciais, para evitar que migrem para essas quadras. Esse debate vai demorar bastante. Terá flexibilização. As audiências públicas servirão para isso.
No seu plano de trabalho está prevista uma reestruturação administrativa. Existe previsão de concurso público para reforçar a equipe do Detran? – Quando falo naquele tripé que virou “quadripé”, temos a inovação. E uma delas é a inovação administrativa, que envolve a inovação tecnológica. Eu sempre tive em mente termos a consultoria de uma instituição de respeitabilidade inquestionável, como uma Fundação Getúlio Vargas, a UnB, a USP, para profissionalizarmos o funcionamento do Detran. Começamos pela tecnologia porque não posso fazer um estudo dessa magnitude, para reestruturar o administrativo do órgão, sem inová-lo tecnologicamente. Ao trazer a tecnologia, nós proporcionamos uma reestruturação natural dos espaços.
E quanto ao concurso? – Hoje existem dois processos de seleção de pessoal em curso. Um para atividades administrativas e outro para agente de trânsito. Estão na Secretaria de Economia. Sou totalmente favorável. Temos que ter renovação, principalmente no policiamento, na fiscalização, uma atividade que aumentou muito e há 10 anos não tem concurso. Precisamos, sim, de novos efetivos.
Qual a carência hoje? – No administrativo, em torno de 150 e no policiamento, de 100 a 120. Proporcionalmente, em torno de 20% de agentes de trânsito. Os salários seriam os mesmos. Se pensarmos que há 10 anos fizemos o último concurso e de lá pra cá tivemos um incremento de 50% da frota, obviamente precisamos de mais mão de obra para atender. Hoje não temos muitas aposentadorias no Detran, porque as carreiras são novas (70% são jovens). No entanto, esses dois processos, que têm nosso apoio para andar, estão na Secretária de Economia, que é quem conduz os concursos.
É ela que libera o dinheiro? – Não. A folha de pagamento é nossa.
Perdemos, na segunda-feira (17), o Luís Miúra, um dos mais importantes diretores da história do Detran. Em 1997, ele liderou a campanha Paz no Trânsito. Daqui a 20 anos, como Zélio Maia quer ser lembrado por sua passagem na direção-geral do Detran? Qual será o seu legado? – A melhor coisa da nossa vida é acontecer como ocorreu com o Miúra, que, mais de 20 anos depois, é lembrado por coisas absolutamente positivas. Eu assumi o Detran numa situação em que precisava haver uma mexida estrutural, de cultura. Sem isso, não se vai a lugar nenhum. Espero que daqui a 20 anos eu seja lembrado como o diretor que chegou, com a maior boa vontade, procurou rejuvenescer o Detran, e fez uma reestruturação a ponto de chamar-se profissionalização. Então, o que eu quero hoje é inovação de forma profissional no órgão. Isso, até certo ponto, já aconteceu. Em cinco meses, nós conseguimos colocar em prática muita coisa, mais do que imaginei. Se a pandemia acabar hoje, nós já não teremos filas no Detran, pela inovação tecnológica e com algumas ideias simples que eu demonstrei aqui. Fizemos gestão no sentido de reestruturar a instituição. A partir de setembro, começaremos a fazer campanhas educativas no sentido de o Detran não estar aqui para penalizar, mas para educar. Faz parte do processo educativo, quando necessário, aplicar a punição, mas não é esse o foco do Detran.
Essa nova ordem é um cavalo de pau na direção do Detran? – Exatamente. É uma mudança de conceito. Quando as pessoas viajam para fora do Brasil, para países onde existe o respeito ao trânsito e às normas, voltam dizendo: “Nossa! como é bom ver isso”. Nós queremos que, em algum momento, as pessoas não sintam mais essa diferença. E isso passa, exclusivamente, pela educação. Sem educação isso jamais será possível.