J. B. Pontes (*)
A confiança da sociedade brasileira nas Forças Armadas foi profundamente abalada durante o desgoverno Bolsonaro. Nesse período, elas voltaram a nos revelar a face golpista, após um curto período em que aparentaram ter compreendido o papel a elas reservado numa democracia. Os militares demonstraram que são muito mais comprometidos com os privilégios e benefícios a eles concedidos do que com o povo e o Estado brasileiros.
São incompreensíveis e inaceitáveis os privilégios a eles concedidos, quando comparados aos dos servidores civis em geral: colégios e escolas de formação; hospitais; residências; aposentadoria diferenciada; transporte para o trabalho; entre outros. No atual desgoverno, foram eles os únicos servidores que tiveram aumentos salariais, além de grande presença em cargos públicos civis.
Passou da hora de a sociedade civil, por meio de seus representantes e das instituições democráticas, por um fim às ameaças golpistas das FFAA que persistem pairando sobre a sociedade brasileira. É inadmissível que continuemos a registrar notas opinativas das Forças Armadas sobre o processo político, com ameaças implícitas a Poderes da República.
Nada na nossa Constituição ou no ordenamento jurídico nacional legitima essas manifestações, que não podem ser simplesmente ignoradas, mas sim rechaçadas com veemência. É preciso rever, além das atribuições, a estrutura e a organização, assim como a distribuição e as quantidades de postos militares.
É injustificável, por exemplo, que 22,4% dos efetivos do Exército, 35,7% da Aeronáutica e 67,8% da Marinha estejam no Rio de Janeiro. Os contingentes de militares lotados nas regiões Sul e Sudeste precisam ser alterados e mais bem distribuídos pelas demais regiões do País, especialmente a região Amazônica.
Essa postura prepotente dos integrantes das FFAA em muito se deve à omissão da classe política em aplicar punições severas aos militares que cometeram excessos durante a ditadura. Ficou parecendo que a redemocratização foi uma concessão dos militares, em troca da impunidade e da preservação dos seus privilégios e benefícios, quando, na realidade, foi ela uma imposição da sociedade brasileira.
Urge deixar explícito na Constituição e nas leis qual o papel reservado aos militares numa democracia, incluindo as polícias militares, bem como a previsão de severas punições para quaisquer desvios de conduta que possam ser interpretados como atentatórios à ordem social e política, inclusive aos que se encontrarem na reserva.
Precisamos acabar de vez com a percepção, que eles parecem ter, de que constituem uma espécie de casta que paira acima dos três poderes da República e da sociedade. Deve ser enfatizado que o papel de tutor da democracia pertence ao Supremo Tribunal Federal e ao povo brasileiro.
Mas isso parece difícil de ser concretizado, tendo em vista que a classe política se mostra cada vez mais corrupta e desqualificada, compromissada com seus próprios interesses e alheia aos anseios e necessidades do povo.
Numa eventual reforma constitucional, deve ser enfatizada a atuação das Forças Armadasdirecionada à defesa de questões tradicionais relacionadas à soberania nacional, em especial ameaças externas relacionadas à integridade territorial, bem como aos recursos naturais.
(*) Geólogo, advogado e escritor