* Mario Pontes
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Gabriel García Márquez, que acaba de morrer aos 87 anos de idade, foi certamente um escritor de grande estatura, cujo talento revelou-se, em especial, na criação de um modo de narrar conhecido como realismo mágico. Muitos ficcionistas latino-americanos tentaram valer-se desse instrumento, mas nenhum foi capaz de manejá-lo como o autor de Cién años de soledad. Sua ficção, colombiana nas raízes, universalizou-se graças ao bem-sucedido casamento do real com um mágico que não se deixava contaminar por certos modos da literatura fantástica. E graças também ao humor exuberante do autor, que com os anos se desgastaria.
Da imensa popularidade de García Márquez fui testemunha em 1981, quando o Jornal do Brasil me mandou cobrir um evento em Bogotá. Sua pequena novela Crónica de una muerte anunciada acabava de ser publicada pela Editorial La Oveja Negra, com tiragem – acreditem! – de 1 milhão e 50 mil exemplares. Nos bares e lojas o livrinho era dado como troco, e nas ruas vendido por enxames de garotos malvestidos.
Naquela mesma semana me mandaram para Lima, onde o general governante acabava de ser apeado do poder por outro general, que – segundo previam alguns respeitados analistas da política sul-americana – radicalizaria o nacionalismo populista e esquerdizante do companheiro de farda mandado para casa. Aconteceu justamente o contrário.
De volta a Bogotá, comprei um exemplar da revista em que Márquez escrevia desde sua volta do exílio. O número era em boa parte dedicado ao golpe peruano. Márquez definiu-o como de direita. Até aí, tudo bem. Surpreendente, no entanto, foi o caminho que o levou a tirar tal conclusão. O golpe – ele lembrava ao leitor – tinha começado em Tacna, cidade ex-chilena, bem próxima da atual fronteira do Peru com o Chile. E já não fazia tempos que o Chile era governado pela direita?…
Naquele momento, a imaginação de Márquez desviava-se penosamente do mágico para cair nos braços de um grosseiro surreal de natureza ideológica. Fazer o quê? Afinal, todos estamos cansados de saber que nem tudo é perfeito!…
*Antigo editor de cadernos de cultura do JB, é autor de vários livros e tradutor de muitos outros. Mora no Rio