Por Chico Sant’Anna
Ponto de referência da gastronomia e do lazer brasiliense, a sede principal da Asbac, às margens do Lago Paranoá, corre risco de ir a pique. Isso mesmo! Imponente como um velho navio singrando sobre as águas, o projeto de Hélio Ferreira Pinto é alvo de ação judicial no Tribunal de Justiça do DF que pede a demolição do imóvel. Uma medida extrema que só poderia ocorrer por meio de implosão, devido ao tipo de estrutura. Só o salão social conta com uma área de 1.865 m². Quem deseja ver o prédio demolido é o empresário Rafael Cezar Faquineli Timóteo, que ajuizou uma ação nesse sentido e o Ministério Público tem se posicionado favoravelmente à ação.
O processo teve início em 2017, logo após a justiça determinar que as residências do Lago Sul e Norte deveriam assegurar uma margem de 30 metros da beira do Lago Paranoá. Áreas verdes deveriam ser desocupadas. Alegou o empresário em sua ação, que a Associação dos Servidores do Banco Central (Asbac) extrapolou seu direito de propriedade ao erguer edificações que avançaram sobre o espelho d’água do Lago Paranoá, além de alocar cercas que impedem o acesso de pescadores e cidadãos, interferindo diretamente sobre o bioma lacustre. Lembra, ainda, que as instalações estão situadas no interior da Apa do Lago Paranoá, criada em dezembro de 1989. Entende ele que a existência do prédio é incompatível com a sentença que determinou a remoção das invasões existentes nas margens do Paranoá.
Na disputa judicial, a ASBAC inicialmente contestou a instância judicial em que o assunto está sendo tratado, pois o imóvel é de propriedade do Banco Central e ela apenas tem a posse dele. Além disso, lembra que as instalações foram erguidas onze anos antes da criação da APA do Lago Paranoá e que à época, 1978, contou com todas as licenças e autorizações previstas em lei e que possui carta de habite-se emitida pelo Governo do Distrito Federal. Por sua vez, o GDF refutou a intenção do empresário. Afirma que ele não apresentou qualquer prova de ato ilegal ou abusivo praticado pelo Distrito Federal e que a sentença referente a desobstrução das margens do Lago excluía os clubes sociais existentes.
O Banco Central, autarquia federal, não quer entrar nessa briga. A Vara do Meio Ambiente do TJDF tentou transferir o processo para a instância Federal, já que o BC é o dono do local, mas estranhamente ele rejeitou participar. Alega não ter sido citado na petição inicial. Nessa briga toda, o Ministério Público do DF tomou partido contra a Asbac. Considera o MPDFT que o prédio na beira do lago – onde funciona o tradicional Restaurante: Dom Francisco, salões de festa e um clube de bilhar, dentre outras atividades – é lesivo ambientalmente e que há a necessidade de se encontrar uma solução alternativa à demolição, pois essa poderia trazer muito impacto ambiental ao Lago Paranoá, já que um imóvel daquele tamanho para ser demolido teria que ser implodido. O MPDFT sugere a realização de audiência de conciliação, para encontrar a solução.
O Arquiteto Nonato Veloso lamenta que a sede principal do clube possa vir a pique. Ele trabalhou como recém formado no escritório que planejou toda a sede da Asbac. Embora não o considere um ícone da arquitetura nacional, Veloso afirma que o prédio representa o estilo da arquitetura brutalista em concreto armado que se praticava no Brasil na virada dos anos 1970 para 1980. Para ele, é um equívoco tanto tempo depois questionar a existência do prédio que quando erguido obedeceu às normas ambientais então vigentes.
Corcovado
Em sua sentença, o juiz Carlos Maroja considera que não há similitude entre as invasões residenciais da orla do Paranoá, alvo de remoção por determinação judicial durante o governo de Rodrigo Rollemberg, pois a área dos lotes da Asbac alcançam as margens do Lago, e no caso das residências, tratava-se de invasão de área pública. Ele afirma que, hoje em dia, não seria admissível que o GDF outorgue licença para obras semelhantes. Entretanto, o ordenamento jurídico da época o permitia. Ele faz um paralelo ao Cristo Redentor, instalado em meio ao Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. “Por certo, a instalação de uma gigantesca estátua no cume de um morro notável na magnífica composição cênica natural do Rio de Janeiro seria vista como inaceitável lesão ambiental nos dias atuais. Contudo, a escassa consciência ambiental reinante nos idos de 1931, data da inauguração da estátua, não permitia enxergar tal fato. Não se pode duvidar que a alocação da estátua do Cristo Redentor no cume do Corcovado é lesão ambiental, mas não seria sequer imaginável que qualquer brasileiro aceitasse a remoção do monumento, que é festejado mundialmente como uma das sete maravilhas do mundo contemporâneo” – sentenciou Maroja.
Concepção urbanística
O juiz relembra, ainda, que “a concepção urbanística da dupla de gênios Niemeyer-Lúcio Costa contemplava a situação dos clubes sociais na orla do Lago, sendo esta a única utilização privativa considerada no projeto original. As edificações remontam à infância de Brasília, e há muito já foram incorporadas ao desenho conhecido da orla desde a primeira geração de brasilienses. Ademais, afiguram-se regulares conforme interpretação razoável da norma, em consonância com os valores então vigentes”.
Ao que tudo indica esse é o primeiro round de uma longa disputa. Por enquanto, a sede da Asbac não irá a pique, mas a guerra deve continuar e ela corre sérios riscos. Nos corredores do TJDF, comenta-se que o MPDFT e o autor da ação estão empenhados em levar esse tema à frente. Uma eventual vitória em instâncias superiores colocará em risco instalações de outros clubes, como a casa de barco do Cota Mil e quiçá, o ancoradouro do Iate Clube. Certamente, afetará também, o projeto original do Pontão do Lago Sul, que previa um lote inteiramente sobre as águas, destinado a restaurante. O TCDF acaba de cobrar da Terracap que todos equipamentos previstos na proposta vencedora da licitação da década de 1990 sejam implementados.