O diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pediu US$ 1 de propina por dose ao negociar compra de vacinas da AstraZeneca com Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply. A informação foi revelada nesta terça-feira (29) pelo jornal Folha de S.Paulo.
Segundo a Folha, a Davati procurou o Ministério da Saúde para negociar 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, com uma proposta inicial de US$ 3,5 cada uma. De acordo com reportagem, são as seguintes as personagens da história:
. Luiz Paulo Dominguetti Pereira — representante da empresa Davati Medical Supply;
· Roberto Ferreira Dias — diretor de Logística do Ministério da Saúde;
· Ricardo Barros (PP-PR) — líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara e responsável pela nomeação de Roberto Ferreira Dias, efetivada em 8 de janeiro de 2019, na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta;
· Cristiano Alberto Hossri Carvalho — procurador da Davati Medical Supply no Brasil e responsável por apresentar Luiz Paulo Dominguetti Pereira à Folha de S.Paulo;
· Élcio Franco Filho — ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e que teria recebido Luiz Paulo Dominguetti Pereira para tratar de importação de vacinas;
O jornal relata que Luiz Paulo Dominguetti Pereira reuniu-se com Roberto Ferreira Dias no dia 25 de fevereiro, em um restaurante em Brasília. “O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa, muito asquerosa”, disse Dominguetti ao jornal.
“Eu falei que nós tínhamos a vacina, que a empresa era uma empresa forte, a Davati. E aí ele falou: ‘Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo’. E eu falei: ‘Mas como compor com o grupo? Que composição seria essa?’”, afirmou Dominguetti à Folha.
Segundo ele, Dias afirmou que a compra não avançaria dentro do Ministério se não compusesse com o grupo. “[Ele disse] que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo”.
”Aí eu falei que não tinha como, não fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não operavam daquela forma. Ele me disse: ‘Pensa direitinho, se você quiser vender vacina no ministério tem que ser dessa forma”, disse.
A Folha perguntou qual seria essa ‘forma’. “Acrescentar 1 dólar”, respondeu. Segundo ele, US$ 1 por dose. “E, olha, foi uma coisa estranha porque não estava só eu, estavam ele [Dias] e mais dois. Era um militar do Exército e um empresário lá de Brasília”, afirmou Dominguetti.
A Folha de S.Paulo afirma que chegou a Dominguetti por meio de Cristiano Alberto Hossri Carvalho, que se apresenta como procurador da empresa no Brasil e também aparece nas negociações com o Ministério. Ele afirmou ao jornal que Luiz Paulo Dominguetti representa a empresa desde janeiro.
O representante da Davati afirma ainda que esteve no ministério, com Élcio Franco Filho, ex-secretário-executivo da Pasta e com Roberto Dias, e fez uma oferta da vacina. “Não comprou porque não quis. Eles validaram que a vacina estava disponível”, afirmou.
Segundo Dominguetti, o jantar foi na véspera de uma agenda oficial com Roberto Dias no Ministério da Saúde. “Aí eu falei que não fazia, que não tinha como, que a vacina teria que ser daquela forma mesmo, pelo preço que estava sendo ofertado, que era aquele e que a gente não fazia, que não tinha como. Aí ele falou que era para pensar direitinho e que ia colocar meu nome na agenda do ministério, que naquela noite que eu pensasse e que no outro dia iria me chamar”, afirmou à Folha.
O representante da Davati afirmou que chegou ao Ministério para encontrar com Dias, que lhe pediu documentações. “Eu disse para ele que teriam que colocar uma proposta de compra do ministério para enviar as documentações, as certificações da vacina, mas que algumas documentações da vacina eu conseguiria adiantar”, afirmou.
“Aí ele [Dias] me disse: ‘Fica numa sala ali’. E me colocou numa sala do lado ali. Ele me falou que tinha uma reunião. Disso, eu recebi uma ligação perguntando se ia ter o acerto. Aí eu falei que não, que não tinha como”, explicou ao jornal.
Ele afirma que depois disso foi chamado, disseram que entrariam em contato com a Davati e “depois nunca mais”.
“Aí depois nós tentamos por outras vias, tentamos conversar com o Élcio Franco, explicamos para ele a situação também, não adiantou nada. Ninguém queria vacina”, afirmou.
Segundo ele, Roberto Dias afirmou que “tinha um grupo, que tinha que atender a um grupo, que esse grupo operava dentro do ministério, e que se não agradasse esse grupo a gente não conseguiria vender”.
Questionado pela Folha sobre que “grupo” seria esse, ele respondeu: “Não sei. Não sei quem que eram os personagens. Quando ele começou com essa conversa, eu já não dei mais seguimento porque eu já sabia que o trem não era bom”.
De acordo com a Folha, Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Barros foi citado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) na última sexta-feira (25) em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid.
Segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou suspeitar de Barros ao saber de supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. O Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a vacina indiana nesta terça-feira (29).
Depois da publicação da reportagem, Ricardo Barros negou ser responsável pela indicação de Roberto Dias.
“Em relação à matéria da Folha, reitero que Roberto Ferreira Dias teve sua nomeação no Ministério da Saúde no início da atual gestão presidencial, em 2019, quando não estava alinhado ao governo. Assim, repito, não é minha indicação. Desconheço totalmente a denúncia da Davati”, publicou em sua página do Twitter.