A força política de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, vai passar por novo teste de fogo em breve. O todo-poderoso cacique quer ressuscitar a famigerada reforma administrativa. Em agosto, durante debate promovido pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) sobre o tema, Lira assegurou que a matéria está pronta para ser votada pelo Plenário. O principal argumento, segundo ele, é garantir um país mais justo.
“Temos que discutir despesas, já que não podemos aumentar impostos. Precisamos que o governo se debruce sobre esse tema. Não vamos tirar direito de ninguém, mas precisamos ter uma despesa mais controlada e um Brasil mais justo”, afirmou na ocasião.
A PEC 32/2020, contudo, está longe de ser consenso entre os parlamentares. Enviada ao Congresso Nacional pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), a proposta parece seguir à risca o lema de que “nada é tão ruim que não possa piorar”. Nem os ditos liberais, que defendem a redução do Estado para torná-lo mais eficiente, cogitam apoiar as mudanças sugeridas na chamada PEC da Nova Administração Pública.
Texto ruim – Caso do deputado Kim Kataguiri (União-SP). “É óbvio que o Congresso não vai aprovar isso, porque o texto está muito ruim”. Para Kataguiri, uma lei complementar que regulamente a demissão de servidores que não sejam aprovados em avaliações periódicas de desempenho é o melhor caminho para combater os maus funcionários no serviço público.
Líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), também critica o que chama de “alma penada que perambula” na Casa. “Nem o Bolsonaro queria essa reforma no governo dele”, diz ele. Guimarães entende que a pauta não é prioridade do governo Lula e sustenta que a hora não é de corte de gastos, mas de “recursos na veia”.
Na tentativa de evitar desgastes com Arthur Lira, a equipe econômica do Planalto acena favoravelmente a projetos já em tramitação no Parlamento, como o que limita super salários de servidores. Pelas redes sociais, a ministra da Gestão e Inovação, Ester Dweck, ressaltou que tem discutido “aspectos legais da reforma administrativa que queremos, focada na melhor entrega de serviços para a população”.
Teoria x Prática
No papel, a reforma administrativa altera dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Para isso, altera 27 trechos da Constituição e introduz 87 novos, sendo quatro artigos inteiros, que tratam da contratação, da remuneração e do desligamento de pessoal. As medidas seriam válidas somente para quem ingressar no setor público após a aprovação das alterações.
Posto Ipiranga – Em maio de 2021, o ex-ministro Paulo Guedes declarou à CCJ da Câmara que a PEC 32/2020 era uma proposta “bastante moderada, que não atinge os atuais servidores, transforma o Estado e busca digitalização, eficiência, descentralização dos recursos e meritocracia nas carreiras”.
A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado discorda do “Posto Ipiranga” de Bolsonaro. Na prática, segundo, a medida vai no caminho contrário ao da redução de gastos públicos.
“A PEC 32/2020 apresenta diversos efeitos com impactos fiscais adversos, tais como aumento da corrupção, facilitação da captura do Estado por agentes privados e redução da eficiência do setor público em virtude da desestruturação das organizações”, analisou o consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral no documento.
Amaral acrescentou que “os efeitos previstos de redução de despesas são limitados, especialmente no caso da União”. “Estimamos que a PEC 32/2020, de forma agregada, deverá piorar a situação fiscal da União, seja por aumento das despesas ou por redução das receitas”, concluiu.
Eficiência e qualidade dos serviços públicos
A avaliação do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, por meio da nota técnica intitulada “De parasitas às palmas na janela: uma análise dos gastos com funcionalismo no Brasil, traz um alerta em relação aos gastos com funcionalismo público.
“Enquanto as necessárias reformas nas carreiras estatais estiverem focadas na redução de despesas como um objetivo em si mesmo, ignorando heterogeneidades e especificidades das carreiras, das esferas federativas e poderes da República, deixaremos de lado a oportunidade de melhorar a oferta de bens públicos à população em termos de eficiência e qualidade”, sinalizaram os pesquisadores Matias Cardomingo, Rodrigo Toneto e Laura Carvalho.