Cristovam Buarque (*)
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Os Estados Unidos tiveram uma guerra civil que custou cerca de 600 mil vidas. A Alemanha foi derrotada duas vezes no período de 27 anos e a França foi ocupada pelos alemães. Outros países sofreram grandes traumas por terremotos e maremotos. Os traumas do Brasil foram derrotas no futebol: para o Uruguai, em 1950, e para Alemanha, em 2014. Sofremos por causa dos 7 a 1 no futebol, mas esquecemos dos 103 a zero para a Alemanha em Prêmios Nobel. A realidade social não nos traumatiza porque nossos grandes problemas foram banalizados.
Consideramos tragédia ter o quarto melhor time de futebol do mundo, mas não nos traumatiza quando, em março de 2011, a Unesco divulgou que estamos em 88º lugar em educação; nem quando, em 2013, o PNUD divulgou que estamos em 85º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano; ou quando o Banco Mundial (Bird) nos coloca como o 8º pior país em concentração de renda; ou ainda quando soubemos que somos o 54º país em competitividade no mercado mundial; ou quando o IBGE divulgou, em 2013, o aumento no número de adultos analfabetos entre 2011 e 2012.
Nenhum trauma aconteceu quando a Transparência Internacional nos reprovou em corrupção; ou quando vimos que, no ano passado, 54 mil brasileiros foram assassinados no país e outros 50 mil mortos no trânsito. Não nos traumatiza o fato de que 50 milhões de brasileiros – desalojados históricos pelo modelo econômico – passariam fome se não fossem as pequenas transferências de renda, como se eles fossem abrigados depois de uma inundação. Não nos choca a destruição de 9% a mais de florestas em 2013 do que em 2012.
Sofremos com as derrotas no futebol porque elas não foram banalizadas. São exceções na nossa trajetória de vitórias. Não nos traumatizam os desastres sociais porque nos acostumamos a eles e nos acomodamos. Por isso, não exigimos de nossos líderes políticos o mesmo que exigimos dos jogadores e técnicos.
Ao ouvir David Luiz pedir desculpas porque não foi “capaz de fazer seu povo feliz, pelo menos no futebol”, pensei que deveria pedir desculpas a ele, porque sou parte da seleção brasileira de líderes políticos e não consigo fazer o necessário para facilitar a vida de cada brasileiro em busca de sua felicidade.
O político não proporciona felicidade, como um artilheiro que faz gols, mas deve eliminar os entulhos sociais, tais como, transporte público ineficiente, fila nos hospitais, escolas sem qualidade e violência descontrolada, que dificultam o caminho de cada pessoa em busca de sua felicidade pessoal. Esses entulhos sociais que povoam o Brasil provam que nós, os políticos brasileiros, não estamos ganhando a Copa do Bem Estar, base necessária, embora não suficiente, para a felicidade de cada pessoa.
Por isso, eu e todos os políticos com mandatos, não David Luiz, devemos pedir desculpas por não eliminarmos os entulhos que dificultam a busca da felicidade por cada brasileiro.
(*) Professor da UnB e senador pelo PDT-DF