Já são onze e meia. Décima ida à geladeira. Incrível, não sei como é a sua, mas aqui em casa, no meu universo particular, é muito comum. A pobre geladeira precisa me suprir de quase tudo. E, na falta de uma realização, de um sonho, de um abraço, ou sabe-se lá o quê, ela me oferece o que tem: comida.
Conheço um monte de gente. Setenta por cento são mulheres. Destas, a maioria absoluta precisa perder dois quilos. E geralmente fazem ataques noturnos à geladeira. Até minha terapêuta. Aquelas bochechas denunciam. E é essa “fofa” que está me ajudando a encontrar meu centro. Estou perdida.
O que uma mulher tanto procura, o que tanto precisa no calar da noite? Por que precisamos nos encher tanto? Que vazio medonho é esse? Três da manhã, já comi todos os chocolates que havia escondido de mim mesma. Li sobre estudos que comprovam que o chocolate traz prazer instantâneo, libera serotonina. Comigo não está funcionando. Gosto de mesclar chocolate com café, com dor de cotovelo e com autopiedade.
Caso exista uma garrafa de Merlot aberta, sensacional. O efeito do vinho em pessoas mais conectadas no “out” tem efeito potencializado. Aí o sono pode chegar. Preciso tirar esse gosto doce da boca. Uma questão puramente de harmonização.
Não tem nada pior que cometer gafes! Então… Um queijinho por favor. Deus! O ciclo não para. Entre uma coisa e outra, me sinto tão cheia e tão vazia. Cheia de mim. Cansada desse marasmo que me ronda. Tudo em câmera lenta.
Pareço presa a alguma coisa que não sei como explicar. Mas a tal bochechuda da minha terapeuta parece que também não encontrou seus oponentes. E o pior de tudo é que hoje ainda é terça-feira, e só costumo renovar as promessas às segundas-feiras. Segundas parecem Réveillon.
Nada mudou, mas nos iludimos com o aval da sociedade, dos amigos e de nós mesmos de que tudo vai ser diferente. É isso! Diferente! Aí está uma boa parte do problema. Não sei se estou diferente do que sou, ou se estou muito igual e tudo o que preciso é ser diferente do que se apresenta hoje.
Cinco da manhã. O estoque acabou. Não tenho mais desculpas, não tenho mais comida, não tenho mais nada. Eu estava precisando de umas coisinhas que me fizessem esquecer o que eu realmente preciso. Mas hoje ainda é terça. Eu também sou terça. A terça parte de mim. A terça parte de tudo. Desalinhada. Descompensada.
Recolho o que restou desta noite. Reboco meu corpo, mais pesado hoje, para um banho. Banhos quentes são terapêuticos e têm o mesmo efeito Réveillon. Abro o guarda-roupa e escolho o que vou usar. Divertida, agradável, linda. Ótimo. Afinal, já é quarta. E lá fora já tem cinza demais.
(*) Escritora