O futuro de uma cidade, de um país, de um povo se constrói com base nas experiências vividas no passado. Com base na cultura, na ciência, nas tradições. Não haveria nada mais iconográfico para ilustrar o triste momento em que vivemos no Brasil e em Brasília do que o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro.
Não viraram cinzas apenas as mais de 20 milhões de peças ali expostas. Foram torrados na brasa 200 anos da construção da brasilidade. O conceito de brasilidade expressa o jeito de ser do brasileiro, a cultura, respeitando-se a pluralidade e as particularidades regionais, os aportes que cada um dos povos que ajudaram a forjar nossa identidade. O Museu Nacional era um mosaico de tudo isso. E assim era uma fonte permanente de pesquisa do que fomos para identificar o que seremos.
O abandono do governo federal e a omissão dos parlamentares, em especial daqueles que propagam aos quatro cantos serem padrinhos da Educação e da Cultura, é irresponsável. Sentimos na pele o que representam as politicas econômicas liberais que privilegiam bancos e negligenciam políticas sociais.
Ao abandonar a Cultura, os museus, a educação, as autoridades jogam nas brasas o futuro de toda uma sociedade. De toda uma nação. A Independência de um povo não se mede com a quantidade de tanques que desfilam nas ruas no 7 de Setembro. Ela se baseia na solidez de sua cultura e identidade.
Brasília também dá mau exemplo
No Distrito Federal a história não é muito diferente. Embora jovem, com apenas 58 anos de existência, Brasília não está sabendo preservar sua memória, nem promover sua cultura. Esbanja recursos públicos em eventos musicais, mas é avarenta no que se refere ao bem público.
Já são raros os elementos que promovem a viagem ao passado da saga que foi a construção da Capital Federal. No Núcleo Bandeirante, é praticamente inexistente qualquer sinal do que foi a Cidade Livre. O Poder público não teve a sagacidade de preservar, por exemplo, um dos milhares de sobrados de madeira, barracos em dois andares, que marcaram o padrão habitacional daquele local.
Quem quiser rememorar isso deverá assistir ao filme Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, que traz cenas do Núcleo Bandeirante do final da década de 1970. A Vila Planalto e a Telebrasília, aos poucos – e muitas vezes movido pela cobiça da especulação imobiliária – vão perdendo integralmente suas raízes com o passado.
São poucas e raras as iniciativas em sentido contrário. Uma delas é organizada pela Administração Regional da Candangolândia, que materializou um tour a pé para pedestres, em cuja trilha o turista ou o curioso pelas nossas raízes pode conhecer a primeira escola, ou mesmo o primeiro cofre forte que guardou os salários dos candangos que construíram Brasília.
Mas essa é uma iniciativa rara. Até mesmo o Museu da Memória Viva Candanga pede socorro pra não morrer. Todo em madeira, é alvo dos cupins e do descaso oficial para com a Cultura de Brasília. O Mesmo descaso que atinge o Museu de Artes de Brasília, o Teatro Nacional e também espaços tradicionais de nossa cultura, como o Cine Itapoã, no Gama. O Gama, que forneceu ao DF importantes artistas, como o cantor Renato Mattos e o cineasta Afonso Braza, não tem mais espaços para que a cultura se expresse.
O descaso com a Cultura e com a Memória Nacional e brasiliense só não é maior do que a força das chamas, Mas, como elas, a falta de responsabilidade do Poder Público consome cotidianamente nossas raízes e impede o florescimento de uma sociedade mais humanista, mais culta, mais fortalecida na sua brasilidade.