O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa, o Berger, concedeu entrevista exclusiva ao Brasília Capital. Durante uma hora e meia, ele detalhou ao editor Orlando Pontes os projetos da Pasta comandada pela ministra Nísia Trindade, que tem todo o respaldo do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para fazer uma “revolução” no atendimento à saúde no Brasil durante sua gestão. Confira os principais assuntos tratados por Berger:
Redemocratização
A partir de 1º janeiro de 2023, o Brasil retomou o curso da democracia. O governo Lula 3 herda uma situação tenebrosa do país e em especial na área de saúde.
No campo da participação social, por exemplo, a Constituição de 1988 determina que deve haver participação da sociedade nos diferentes colegiados de políticas públicas.
Mas, ao assumir, Jair Bolsonaro foi eliminando a participação da sociedade. Uma centena de conselhos, entre eles, o Consea (Conselho de Segurança Alimentar) e o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente ambiental) foram duramente atingidos. O primeiro foi extinto e o outro completamente desfigurado. O governo foi tirando a participação da sociedade. O Conselho Nacional de Saúde resistiu bravamente e não foi atingido com a extinção porque foi criado por lei em 1937. O STF impediu que o governo extinguisse conselhos que haviam sido criados por lei.
Pauta de costumes e negacionismo
A pauta de costumes, muito forte, como combate às drogas, aborto, preconceitos contra a população LGBTQIA+, entre outros e um chamamento ao negacionismo à ciência, especialmente, mas não apenas no período da pandemia de Covid-19, quando isso ficou mais evidente, caracterizaram o governo anterior. Os avanços democráticos de participação na sociedade foram praticamente todos comprometidos nesse período, mas a sociedade civil organizada, em diferentes ambientes e arenas resistia.
Participação social
Ao assumir o governo o presidente Lula constituiu um Conselho de Participação Social, sob a coordenação da Secretaria Geral da Presidência da República onde cada ministério tem um representante (o MS reivindicou 03 vagas). O presidente determinou a retomada dos conselhos que tinham sido esvaziados ou extintos, com retorno da participação da sociedade. E na mesma direção inicia-se o processo de construção de diversas conferências, sendo a da Saúde, a primeira.
Conferências de Saúde
Desde a campanha, o presidente tem estimulado o retorno das Conferências como sendo um ambiente coletivo capaz de debater e definir políticas e subsidiar o Poder Público. Elas reúnem, a sociedade civil, gestores e usuários e a partir dali, aprova-se propostas que são resoluções e recomendações de interesse social e econômico capazes de ampliar direitos e a cidadania.
Nessa direção, a 17ª Conferência Nacional de Saúde é a primeira grande conferência da era Lula 3, talvez a maior conferência de saúde da história. São quase seis mil delegados contando os tirados nos estados, que vêm originalmente dos municípios, e mais os que vêm de 106 conferências livres. Os delegados que participarão vindos dos 26 estados e do DF representam 50% de usuários, 25% dos trabalhadores, 25% de gestores e prestadores de serviços.
Escuta democrática
Tenho orgulho de ter sido o relator da Resolução 33 do CNS, de 1992, que orientava os estados e municípios a terem Conselhos de Saúde conforme determinava a Lei 8.142/1990. A rede de Conselhos existentes em todo o país foi e é garantia para defesa e fortalecimento do SUS. O Conselho Nacional, que se reunirá logo após a 17ª CNS votará as resoluções da Conferência, que serão encaminhadas ao Ministério da Saúde. A ideia é que a ministra Nísia Trindade homologue a resolução do CNS, e isto deverá integrar o Plano de Saúde e o Plano Plurianual de 2024 a 2027.
O papel do Estado
Quando assumimos, tínhamos um plano de saúde que era impossível a gente executar, de tão conservador que era. A lógica era de limitar o papel do Estado na implementação da política pública do SUS e abrir espaço para o setor privado, reduzindo o papel do setor público na assistência, transferindo recursos para o mercado. Essa era uma lógica do governo anterior: fazer com que, ao invés de aquilo que está na Constituição como direito de todos e dever do Estado, a saúde pudesse ser tratada como negócio. A retirada da participação social nos espaços institucionais era, assim uma estratégia para facilitar o desmonte do SUS e de várias outras políticas públicas inclusivas.
Rede de 4 milhões de trabalhadores
O SUS é extraordinário. Somos cerca de 4 milhões de trabalhadores no Sistema de forma direta ou indireta, do setor público, do setor filantrópico. Os Conselhos de Saúde existem nos 5.570 municípios do País. Temos ao menos 45 mil Equipes de Saúde da Família que atuam em 40 mil Unidades Básicas de Saúde e uma rede de 4700 hospitais públicos ou conveniados
Marco histórico
Então, essa é uma questão importante do processo democrático no País, hoje. A presença do Presidente e do seu Ministério inteiro na 17ª Conferência vai ser um marco. Vai ser a primeira grande Conferência Nacional da era Lula 3. Ou seja, é o momento de consagração nesse processo de participação democrática.
População envelheceu
As propostas que estão vindo dos estados e dos municípios, da necessidade do fortalecimento do SUS, de mais financiamento perene, para aquisição de mais tecnologia, mais equipamentos. Será preciso levar em consideração essa nova demografia brasileira. Nossa população envelheceu.
Sistema descentralizado
O modelo do SUS é de um federalismo totalmente descentralizado. Cabe aos municípios executar atenção básica e um conjunto de ações de promoção e de proteção à saúde, e de atendimento, assistência. No nível estadual as funções exercidas são de coordenação e de assistência especializada e tem a União Federal, que faz a orientação político-estratégica desse processo todo.
Para isso, o SUS tem um modelo democrático de funcionamento que tem a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que inclui o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS). É o modus operandi democrático da gestão do SUS, que se reúne a cada 30 dias e pactua as grandes decisões.
Como secretário-executivo, eu coordeno a CIT. O MS repassa recursos fundo a fundo, que é uma transferência direta, dinheiro carimbado, para custeio ou investimento. Além disso, os Municípios têm que usar pelo menos 15% da sua receita na Saúde; e os Estados, pelo menos 12%. Nesse tempo tenebroso, a União foi deixando de comparecer na sua função, reduzindo repasse de recursos e também sem cumprir seu papel de coordenar esta relação interfederativa. Nós estamos retomando o papel do Ministério da Saúde nesta relação.
Governo mistanásico
Ao ministério e à União Federal compete fazer a coordenação federativa do SUS. Foi exatamente o contrário que vivemos antes da posse do presidente Lula e da ministra Nísia. O governo anterior, ao invés de ter uma relação federativa de colaboração, de cordialidade, foi brigar, acusar estados e municípios, não repassar recursos. Com isso, contribuiu diretamente para não salvar milhares de vidas no período da pandemia. Proporcionalmente à população mundial, o Brasil foi o país onde houve mais mortes. Foi um governo mistanásico. A mistanásia é a morte com sofrimento decorrente de uma política deliberada ou da omissão do Estado… foi o que pudemos ver com a morte de mais de700mil pessoas, muitas das quais que poderiam estar vivas.
Federalização
Meu amigo deputado distrital Chico Vigilante (PT) falou em federalizar os hospitais de Santo Antônio do Descoberto e de Águas Lindas, no Entorno de Goiás. Na Saúde, a gente tem exercido com bastante êxito a composição dos chamados consórcios intermunicipais de saúde. Nesse caso, seria uma solução interfederativa e de colaboração entre estados (DF e Goiás), beneficiando as populações dos municípios citados e claro, o governo Federal através do MS podendo, como autoridade sanitária nacional contribuir nesse processo de organização, de forma a se chegar no melhor modelo. Esta colaboração não necessariamente conduziria à federalização dos hospitais.
Arcabouço fiscal
Temos os três níveis de governo com suas missões bem definidas, e um financiamento com regras a serem ajustadas. A Saúde sempre foi subfinanciada, e nós vamos ter que enfrentar esse problema, que piorou com a Emenda Constitucional 95 e agora nós estamos substituindo por um novo arcabouço fiscal, no qual o ministro Fernando Haddad tem sido um importante parceiro para contemplar a área da saúde dentro das necessidades que estamos apresentando.
Ouvidorias
A retomada das Ouvidorias dos diferentes órgãos do governo, que estavam praticamente paradas – inclusive no Ministério da Saúde, como o próprio Brasília Capital já noticiou é algo inaceitável. “Quase meio milhão de demandas sem repostas do MS à sociedade, foi o que encontramos. Isto representa o descaso com a opinião dos usuários do SUS, estamos fortalecendo as ações da nossa Ouvidoria Geral e transformar esse espaço de diálogo em algo de respeito ao cidadão e de melhoras do nosso sistema de Saúde”.
Autoritarismo e tecnocracia
Nos governos recentes, era um autoritarismo na gestão e uma tecnocracia pedante. O autoritarismo de impedir as pessoas de participar. E a tecnocracia achando que substituía a escuta e a participação de atores diferentes da sociedade que podiam contribuir. A tecnocracia diz: “Eu entendo o que você pensa. Eu estou ali, eu conheço isso. É uma coisa absolutamente fora de propósito você querer, sem ser delegado para isso, se arvorar no direito de ser o interlocutor das demandas sociais, substituindo o sujeito da demanda”.
Multivacinação
O Plano Nacional de Imunização (PNI), por si só, é um exemplo da democracia como prática política dentro do MS. Ele envolve a população e o Estado para que os seus trabalhadores – médicos, enfermeiros, dentistas, assistentes sociais, todo mundo ali – em contato com a população, executem um serviço que ao fim ao cabo vai salvar a vida das pessoas. Essa é uma ação essencialmente democrática. Por exemplo, a Ação de Multivacinação que nós estamos chamando de Movimento Nacional de Vacinação deve ser permanente. Na última década, nós saímos de 92% a 93% de índice de vacinação para 67%. Entre outras coisas, pelo receio, medo, fruto da mentira, das fake news, do negacionismo. A multivacinação é um fato essencial, de disseminação da democracia.
Adesão de estados e municípios
Os governos estaduais e municipais aderiram a esse movimento e estão fazendo ações de mutirões, porque não é só Covid. É influenza, poliomielite, tudo. A pessoa chega com o cartão de vacina e sai atualizado. Contra a Influenza, nós já aplicamos, depois dessa ação de multivacinação iniciada, 34 milhões de doses. Quarenta por cento disso para o grupo prioritário (idosos e indígenas). E mais 20 milhões de vacinas bivalentes da Covid-19.
Farmácia Popular
O presidente Lula está lançando, junto com a ministra Nísia a nova versão do Farmácia Popular, mais ampla. Em 2004 e 2005, no início, o programa beneficiava 2 milhões de pessoas. Nossa meta em 2023 é incluir 800 municípios em vulnerabilidade social e ampliar a lista de medicamentos. Vamos atingir, até o final deste ano, pelo menos mais 3 milhões de pessoas nessa primeira etapa, o que significa a gente atingir 45 milhões de pessoas. Ou seja, em comparação a 2004, nós vamos credenciar, até o final deste ano, 35 mil farmácias – hoje temos 14 mil. E com as novas mudanças vai ampliar para mais de 20 milhões de pessoas beneficiadas só num primeiro momento, com ampliação que vai incluir maior gratuidade no programa e maior ampliação territorial, abrangendo as cidades de menor porte e também de maior vulnerabilidade.
Favelas e áreas indígenas
Temos também as grandes favelas de São Paulo, do Rio de Janeiro. Existem as áreas indígenas. Na Saúde, estamos fazendo programas de redução de filas. Nos próximos dias fecharemos um balanço dessas ações. Fizemos, na atenção primária uma coisa nova que é importante. No Mais Médicos, a gente já teve, só no edital para contratação, mais de 35 mil inscritos. São mais de quatro mil municípios. Um sucesso absoluto.
Equipes multiprofissionais
Vamos criar, de 2023 até o final de 2026, mais 8 mil equipes multiprofissionais. É o resgate ampliado dos NASFs(Núcleos de Apoio à Saúde da Família) que foram abandonados/fechados no governo anterior.
Nós também retomamos o Brasil Sorridente. A meta é ampliar para 20 mil equipes de saúde bucal e criar os serviços especializados para os municípios com menos de 20 mil habitantes. De imediato, credenciamos 3685 equipes e serviços de saúde bucal que irão beneficiar mais de 10 milhões de pessoas.