Sob o pretexto de que era uma solução necessária para a saúde pública do Distrito Federal, em 2017, o então governador Rodrigo Rollemberg conseguiu aprovar a criação do Instituto Hospital de Base. Em 2019, após criticar o modelo durante a campanha eleitoral, Ibaneis Rocha afirmou que o projeto implementado tinha não apenas que ser mantido, mas se espalhar pelo DF.
Assim, em 24 de janeiro do ano passado a Câmara Legislativa aprovou o Instituto de Gestão Estratégica (Iges-DF), hoje responsável pela administração do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) e pelas seis Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da capital.
Acontece, agora, que o “modelo híbrido” (estrutura pública com gestão privada) anunciado em 2017 e também no ano passado, tem se revelado, a exemplo do que ocorreu em outros estados, como Goiás, o inverso da “solução necessária” para o SUS.
O SindMédico avisou e, inclusive, apelou contra a criação e expansão do projeto. Com suspeita de fraudes em licitações, desde que deflagrada a Operação Falso Negativo, que investiga a compra de testes para detecção da covid-19 e resultou na prisão do ex-secretário de Saúde, uma série de outros problemas, não menos graves, têm sido revelados.
Vamos às suspeitas: o uso indiscriminado do cartão corporativo do Iges-DF se tornou alvo, nesta semana, de investigação do Ministério Público (MPDFT). A decisão foi anunciada após a imprensa local revelar gastos excessivos com compras de pizzas, bolos, salgadinhos, urna funerária e,
inclusive, uma viagem para funcionários visitarem, em Manaus (AM), a empresa Bioplus Comércio e Representações de Medicamentos e Serviços de Equipamentos Médico-Hospitalares LTDA –, investigada na Operação Maus Caminhos, deflagrada pelo Ministério Público Federal (MPF). O trajeto custou R$ 3,1 mil.
Há 15 dias, o Tribunal de Contas (TCDF) pediu explicações à gestão do Iges-DF sobre a queda brusca no atendimento a pacientes com câncer. Segundo investigações, antes de o Hospital de Base do DF virar instituto, eram atendidos, por dia, cerca 100 pacientes em dois turnos e com dois aparelhos.
Porém, em 2019, já como Instituto de Gestão Estratégica, foram realizados apenas 120 novos procedimentos durante todo o ano. E o problema não para por aí: mesmo aqueles que conseguem tratamento, enfrentam a falta do medicamentos para quimioterapia no Iges. Lembrando: essas são vidas que não podem esperar.
Até atraso de salário estaria ocorrendo no Instituto. A informação teria sido repassada pelos próprios funcionários do Hospital de Base, além da falta de papel higiênico, sabão neutro e toalhas de papel. Foi preciso uma vaquinha para comprar os itens, absolutamente necessários em qualquer ambiente de trabalho. Cenário completamente diferente daquele prometido, há três anos. À época, o SindMédico questionou a quem interessava transformar o HBDF em instituição privada. Hoje, novamente, acho válida a pergunta.
Entre comissões, debates, apelos jurídicos e outras tentativas de diálogo para rever a implementação do projeto, lembro de ter afirmado, algumas vezes, que o modelo de gestão ideal para o SUS é o próprio SUS. Ele é perfeito. Imperfeita é a gestão. Buscar outros caminhos, com “modelos híbridos” e “soluções mágicas”, que “facilitam compras e licitações”, tudo
isso já deu errado em estados que, agora, tentam expulsar as Organizações Sociais da Saúde Pública.
No Rio de Janeiro, por exemplo, as Organizações Sociais receberam quase R$ 7 bilhões em quatro anos: uma clara discrepância entre o valor pago pelo estado e a qualidade do serviço oferecido à população. Por isso, volto a dizer: a única solução necessária para o SUS é o SUS, com repasse de investimentos, qualificação e controle de gestão. Sem blefes.