Secretária de Planejamento nos primeiros três anos do governo Rodrigo Rollemberg, a cientista política Leany Lemos conhece a máquina do GDF como ninguém. Uma das responsáveis pela política de ajustes das contas públicas locais, ela defende esse trabalho como um dos grandes legados da gestão do socialista. E, rebatendo o senador Cristovam Buarque (PPS), enumera pelo menos outras três ações, como a desobstrução da orla do Paranoá, a desativação do Lixão da Estrutural e a implantação de infraestrutura no Pôr do Sol e no Sol Nascente, em Ceilândia, como iniciativas que farão Rollemberg ser lembrado pelas futuras gerações. Com esse discurso em defesa do governo, ela foi escolhida pelo próprio Rollemberg como pré-candidata ao Senado pelo PSB. Em viagem aos Estados Unidos – está desde sábado (28) em Harward fazendo um curso de altos executivos voltado para mulheres e poder –, Leany Lemos concedeu, por telefone, esta entrevista exclusiva ao Brasília Capital.
Em entrevista ao Brasília Capital, o senador Cristovam Buarque afirmou que o governador Rodrigo Rollemberg não deixará legado para a cidade. A senhora concorda com ele? – Olha, eu tenho o maior respeito pelo Cristovam como intelectual, como pessoa que deu uma grande colaboração para Brasília. Ele foi meu reitor quando aluna da UnB. O admiro muito pessoalmente e intelectualmente. Mas é uma grande injustiça e inverdade dizer que não há legado.
Por quê? – O que é legado? Um estádio de R$ 2 bilhões na Lava-Jato? Um Centro Administrativo na Lava-Jato? Uma PPP do Mangueiral na Lava-Jato? O BRT Sul na Lava-Jato? Isso é legado? Todas as grandes obras do governo anterior estão envolvidas em esquemas de corrupção com grandes empreiteiras do país e com caixa dois de campanha. Eu devolvo a pergunta: isso é legado?
Mas quais foram, enfim, as grandes obras deste governo?- Só são legados as grandes obras? Então vou dizer quatro legados: a responsabilidade de arrumar as contas da cidade. O argumento de que ajuste fiscal não é legado porque vem outro e desarruma, lembra meu filho quando ele tinha oito anos de idade e perguntava por que tinha que tomar banho se ia sujar de novo. A gente cuida das contas da nossa casa todos os dias do ano. Por que você toma banho? Porque é importante! Existem coisas que devem ser feitas! A saúde básica do corpo do Estado são as finanças públicas. Sem as contas você não faz nada. Temos, sim, um grande legado. Se outro desarrumar, a sociedade vai cobrá-lo. Outra: a desobstrução da orla do Paranoá. A orla está livre. Um governador tem que ter muita coragem para derrubar cerca de ministro, de embaixador, de deputado, de senador, de presidente da Câmara, de presidente do Senado para democratizar o acesso a toda a população. Daqui a dez, vinte anos, nós vamos nos lembrar de que houve um tempo que não havia acesso para esses espaços, que são públicos. O (navegador) Amir Klink estava aqui há duas semanas e ficou impressionado. E disse: “Nós tentamos fazer isso em Santos e não conseguimos, numa área muito menor”. O terceiro: o encerramento das atividades do Lixão da Estrutural. Não sei quem, em sã consciência, consegue defender que isso não é um legado. Extirpar de uma cidade-modelo, como é Brasília, o segundo maior lixão do mundo, isso está sendo feito de uma maneira inclusiva, envolvendo os catadores. Tem problemas? Sim! Mas está sendo feito. Ninguém antes teve coragem. Nós tomamos decisões difíceis mexendo em vespeiros, e óbvio que isso traz um desconforto em grupos e setores. Mas é muito importante que defendamos esses legados. O último: não são grandes obras faraônicas que servem para enriquecer pessoas, mas já gastamos mais de R$ 2 bilhões em obras de infraestrutura. Há mais de 20 anos não se investia em recursos hídricos, e neste ano estamos terminando Corumbá IV, já foi feito Bananal e Paranoá. São obras que vão trazer segurança para nossa região.
O que foi feito para as áreas mais carentes do Distrito Federal? – Levamos infraestrutura para áreas vulneráveis, como falei antes. E ainda tem muita coisa em andamento, por exemplo, em Vicente Pires, e em praticamente todas as demais regiões administrativas.
E no Plano Piloto? – Posso citar o trevo da Saída Norte. São obras antigas? Não. Eram contratos. Uma coisa é contrato, outra coisa é obra. Esse contrato do Sol Nascente era de 2007 e ninguém tinha executado. Porque não é só firmar contrato. Tem que ter licença ambiental, tirar pessoas. Executar no setor público não é nada fácil.
O governo também tem falado muito em legalização de terras… – Se contar toda a parte de regularização de escrituras, já foram mais de 50 mil. Olha o tamanho da segurança jurídica que você dá ao cidadão! Isso não é um problema exclusivo de Brasília. Aqui temos esse problema igual a todas as grandes metrópoles da América Latina, pois as cidades cresceram de maneira desorganizada. A sociedade tem um problema de legalidade de território. Esse problema está sendo tratado de maneira muito séria, respeitando as normas e com muito respeito às pessoas. Entregar essas escrituras é emocionante. Tem gente que mora há vinte anos no local e não tinha escritura.
A senhora acredita que a população reconhecerá esse trabalho a ponto de reeleger o governador Rollemberg? – Creio que sim. E vamos trabalhar por isso. Mas, voltando a responder ao senador Cristovam, não é verdade e é uma grande injustiça dizer que não deixaremos legados, pois os legados que estão sendo deixados ficarão por muitas gerações. Daqui a alguns anos vão lembrar que esse governo teve a coragem de enfrentar e implementar essas políticas radicais.
E nas questões sociais, como saúde e educação? – Aumentamos as matrículas nas escolas de zero a cinco anos. Isso é importantíssimo para as crianças e para as mães que são chefes de família e que precisam trabalhar. Isso atinge muita gente. Além da educação, acaba sendo uma assistência social para as mães. Na questão da saúde, as mudanças de parâmetros que estão sendo adotadas terão reflexos positivos no médio e longo prazos, como a criação do Instituto Hospital de Base, por exemplo.
O empoderamento feminino fará parte de sua plataforma como candidata ao Senado? – Evidentemente, sim. Mas muito mais que algo de apoio. É baseado em pesquisa científica. Muitos estudos demonstram quais são os padrões diferentes de qualificação ou avaliação das mulheres nas empresas privadas, no setor público, quando as mulheres têm as mesmas qualidades dos homens e são avaliadas de maneiras diferentes. O que acaba impactando na promoção delas, no que elas recebem de remuneração. Na pré-candidatura existem alguns atributos que fazem parte da trajetória. Um deles é o fato de ser mulher. Afinal, nós nunca elegemos uma mulher para o Senado.
A senhora seria a primeira mulher eleita senadora no DF… – Sim. De fato. O que é algo importante neste momento que se discute muito a representação substantiva. Quem são as pessoas que nos representam na Câmara, no Senado, na Câmara Legislativa? Então, a diversidade, seja ela de raça, cor ou gênero é sempre muito positiva, pois traz ao debate as políticas públicas para as suas perspectivas. Nas empresas já se provou que quanto mais diversidade, mais dinheiro se faz. Maior é a renda das empresas. Tanto que em alguns países há políticas de aumento intencional da participação das mulheres e de negros, por exemplo. No setor público não pode ser diferente. O fato de ser mulher acaba sendo uma representação da sociedade, que é muito importante.
Além de ter sido secretária do governo, quais são suas ligações com Brasília? – Sou nascida em Brasília, filha de candango vindo da Paraíba. Meu pai morava na Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante), na Candangolândia, em 1958. Depois retornou para a Paraíba, casou-se com minha mãe e voltou para Brasília em 1968. Eu nasci em 1970. Essa é uma história como muitas outras de candangos e candangas. Vieram debaixo. Papai era ajudante de pedreiro do Congresso Nacional. Me emocionou muito quando entrei no Senado, porque meu pai ajudou a construir aquele edifício. É uma história de mobilidade social muito bonita de ser contada. Meu pai foi autodidata. Chegou até à diretoria da empresa em que trabalhou, mas estudando por conta própria porque não teve oportunidade. E essa é uma grande diferença entre eu e meu pai, porque eu tive oportunidade. Estudei em escola pública de Brasília, estudei no Cor Jesu, depois Escola Normal, UnB. Me graduei em Letras (tradução). Fiz pós-doutorado em Ciências Políticas e depois Finanças Públicas na Inglaterra e nos EUA. Então é uma trajetória de quem teve seu esforço, mas de quem teve mais oportunidade.
Essa trajetória acabou lhe levando a ser uma pessoa de confiança do governador, que a conheceu no Senado… – Sim. Nós nos conhecemos quando eu estava acabando de voltar do pós-doutorado e ele me chamou para trabalhar na Comissão de Meio Ambiente Fiscalização e Controle. Eu já havia trabalhado na área de fiscalização e controle. É um dos temas da minha tese de doutorado. Nós não nos conhecíamos, mas desde então tivemos uma empatia. Estamos trabalhando juntos desde então.
Dessa empatia surgiu o convite para assumir a Secretaria de Planejamento e Gestão? – Exato. Fui coordenadora executiva de transição. O Hélio Doyle era o coordenador-geral. Eu ajudei no diagnóstico da máquina. Identificar pessoas… É uma relação de confiança e respeito mútuo. Eu respeito muito o governador, a sua vontade de fazer o correto. A sua retidão. Ele é uma pessoa do bem. Quer o bem de Brasília. Sacrifica sua vida pessoal pelo coletivo da cidade. E isso não tem sido comum na política. Acho que é admirável isso nele. Ele dedicou toda uma vida para construir algo para os outros. As pessoas têm uma visão muito ruim da política por causa de alguns personagens. Mas há gente correta, como ele. Isso me faz feliz e trabalhar com muita dedicação.
Essa postura de defesa do governador fez com que a senhora fosse escolhida pré-candidata ao Senado para ser uma espécie de anteparo do governo, que tem sido mal avaliado pela população e certamente vai receber muitas críticas durante a campanha… – Eu já havia me filiado ao PSB em 2013, antes da campanha. Mas, de fato, foi um momento de encruzilhada, de escolha. Sou mãe de três filhos, um de 29, outro de 27 e outro de 23 anos. Sou professora universitária. Fui secretária de Planejamento, mas tem um momento que temos que tomar decisões. Tendo em vista o cenário político em que vivemos, quais são as lideranças que estarão colocadas para a população pensando na renovação que a sociedade tanto quer? As pessoas estão cansadas da política. Há um desgaste natural das figuras tradicionais. E há uma busca por renovação, que eu também sinto.
Qual sua contribuição nessa renovação? – A ética na política. O meu trabalho se pauta pela excelência. Trabalho de conhecimento, de alto nível. Sempre pautado pela competência técnica. É muito importante ter na política pessoas que conhecem a administração pública, que não é algo simples. Esses três anos na Seplag, de colocar o trem nos trilhos na parte fiscal, da Previdência… Várias proposições aprovadas que tivemos que implementar. Dizer não para dentro do governo, dizer não para fora do governo. Isso dá um conhecimento de como funciona a administração pública. É muito importante para depois representar a população.
Essa postura de dizer não para dentro e para fora do governo pode resultar numa baixa aceitação do eleitorado? – Eu acho que não pode ser lido sim. A gente disse muito não, e foi uma grande responsabilidade do governo. Dissemos não para algumas coisas para poder dizer sim para outras, porque se o governo não tivesse suas finanças equilibradas, como diria sim para as políticas públicas? Nós inauguramos Unidades Básicas de Saúde, creches, ampliamos matrículas nos Centros de Línguas, ampliamos ensino em tempo integral e cobertura no Saúde da Família. Aumentamos investimentos em obras em áreas vulneráveis, como Sol Nascente, Pôr do Sol e Buritizinho. Investimos em infraestrutura para acabar com a crise hídrica. Estamos fazendo a Saída Norte. O ‘não’ é uma priorização. Tivemos foco.
Ter dito não para os aumentos dos servidores não vai gerar uma resistência desse segmento como um todo? – Acho que a gente tem aí uma dubiedade. Digamos assim: a gente diz não para poder dizer sim. Ou seja, pela continuidade das políticas públicas. Por exemplo, houve uma expansão no número de pessoas que foram para a rede pública nesse período de crise. Pessoas que perderam seus empregos não pagam mais por escola particular, abrem mão dos seus planos de saúde e passam a ser atendidas na rede pública. A região do entorno também faz uma pressão sobre nossa rede. Então, na verdade foi muita responsabilidade para atender outras áreas e não ver o que vimos em outros estados, como no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, onde há parcelamento de salário e suspensão de serviços públicos. Com relação ao servidor, existe uma certa ambiguidade. Por um lado, uma frustração, pois havia expectativa de aumento. Mas é importante a gente dizer que não havia condições financeiras e orçamentárias para esses aumentos imediatos. Isso é um ponto. O outro ponto é que as pessoas continuaram recebendo seus salários. Quando fui me despedir da Secretaria, uma ouvidora me disse: “Eu e minha família agradecemos, pois meu marido também é servidor público e nós não perdemos nenhuma noite de sono, minhas contas estão todas em dia, tive a escritura do meu terreno, consegui quitar meu carro, paguei escola dos meus filhos, então gostaria de lhe agradecer”. Aquilo me emocionou muito, porque é uma história de uma pessoa que entende o que acontece. Há uma frustração, mas vemos o que acontece por aí. Estamos melhorando porque fizemos um controle. Se esse controle não tivesse sido feito, estaríamos vivendo pior, como Santa Catarina, que viveu bem durante dois anos e agora está virando o que o DF era em 2015. Foi muita responsabilidade do governador. Pagamos um alto preço político, mas é o que se paga por ser responsável. A recompensa vem depois. A cidade hoje tem uma certa tranquilidade. Claro que há problemas, mas há uma certa tranquilidade em comparação aos outros estados.