Berenice Darc (*)
Se há uma afirmativa que descreve a atual realidade do Distrito Federal é a frase do antropólogo Darcy Ribeiro sobre o fato de que a crise da educação não é uma crise,e sim um projeto político da elite empresarial e financeira. Ribeiro foi um dos idealizadores e primeiro reitor da UnB, tendo o foco de sua pesquisa acadêmica na Educação e nas relações indígenas. Foi Ministro da Casa Civil e da Educação no governo João Goulart; vice-governador do Rio e senador.
Sua frase retrata a situação atual da educação pública da capital do País, notadamente na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Desde 2016, a educação pública do DF entrou em crise permanente,que só será resolvida se houver mudanças na filosofia de gestã. Esta crise contrasta com o sucesso que o DF viveu 10 anos atrás, quando ganhou o selo de erradicação do analfabetismo, tornando-se, em 2014, a primeira unidade da Federação a receber o selo “Território Livre do Analfabetismo”.
Desse período que começou em 2016 e prossegue até hoje, vale ressaltar a falta de investimentos na política educacional, que tem uma relação direta com esse sucateamento da educação pública, particularmente, da EJA, um dos segmentos mais sacrificados.
Embora o projeto neoliberal e privatista de sucateamento e mercantilização da educação tenha sido derrotado na eleiçãopresidencial de 2022, ele persiste no DF. AEJA é vista pelo GDF como um segmento que “não merece” dinheiro público.
No governo Bolsonaro, após quatroministros da Educação, o que perpassou entre eles foi a falta de investimento em educação. Pior: houve desinvestimento de dinheiro público do setor, especificamenteda EJA, uma das políticas educacionais que mais sofreram.
Nos governos Temer e Bolsonaro e nos dois governos Ibaneis, foram fechadas muitas turmas e turnos. Praticamente, extinguiram a educação noturna. Não se esforçaram para que a escola noturna se mantivesse aberta.
Não se trata apenas de falta de dinheiro. Há uma série de outros desinvestimentos que forçam a extinção da EJA. O GDF não providencia um chamamento oficial e uma campanha permanente da Secretaria deEducação. Não se vê a busca de estudantes em casa para eles e elas voltarem à escola. O Distrito Federal precisa voltar a ser território livre de analfabetismo.
Brasília colhe, hoje, os resultados da política neoliberal de Estado mínimo para alguns e máximo para os ricos. Por falta de investimento, o analfabetismo voltou. Isso comprova que a crise na educação é um projeto político e econômico.
A evasão de estudantes da EJA passou, entre 2020-2022, por processos difíceis, como a pandemia da covid-19. A evasão escolar desse período poderia ter sido evitada. Mas, como não houve investimento do Estado em educação remota, muitosabandonaram e não retornaram.
O Sinpro-DF mostrou, com exemplos que ocorreram em todo o planeta, que era possível assegurar educação remota. Mas no Brasil e no DF não houve esse empenho por parte dos governos. Desde falta de Internet nas escolas até ausência de equipamentos e condições básicas para oferecer uma educação on-line que barrasse a evasão, tudo aconteceu.
Os professores da EJA se empenharam para que essa educação on-line fosse materializada durante a crise sanitária.Contudo, apesar dos esforços, a evasão foi violenta, sobretudo entre idosos, especialmente pela dificuldade de manuseio das tecnologias, problema que seria facilmente superado se tivesse tido a assistência do Estado nacional.
A evasão dessa época nunca mais foi sanada. Muitos não conseguiram voltar até hoje. Temos percebido uma perspectiva de retorno por causa do empenho pessoal e gigantesco de professores e professoras da EJA, que, por conta própria, estão nas ruas, de casa em casa, chamando-os de volta à escola. Usam seu telefone pessoal, ligam para cada estudante.
Há, por parte dos profissionais da educação pública, um grande esforço para que a EJA continue viva. Essa proatividade da categoria é justamente o contrário do descaso do governo com a EJA, que ressuscitou as turmas multietapas, um retrocesso na educação pública, que há muito tempo o DF havia vencido.
A luta dos professores da EJA e o novo governo federal tem superado essa fase. Mas, no DF, tivemos de retomar essa discussão para trazer um novo fim da multietapa. Buscamos trabalhar por etapa,sem fazer essa mistura de acumulação de etapas na mesma turma.
O analfabetismo persiste por falta de uma ação combinada com oferta de educação, busca ativa, transporte que possibilite o estudante o acesso à escola e a volta para casa.
Atualmente, após anos de luta de entidades como o Sinpro, o DF tem disponibilizado o lanche para os estudantes do noturno. Essa garantia foi um ganho que tem assegurado a “jantinha” aos jovens, adultos e idosos da educação noturna.
Porém, superar o analfabetismo não é apenas ofertar serviços pontuais, e sim garantir uma combinação de várias políticas públicas para manter jovens, idosos e adultos na escola. Essa combinação passa pela alimentação na escola, transporte e busca ativa, mas também por políticas de emprego e renda, construção e disponibilização de escolas nos bairros em que residem o público da EJA e investimento na formação de professores.
Ou seja, passa também pelas diretrizes da própria EJA, que, no DF, foram modificadas por meio da luta cotidiana do Sinpro-DF e outras entidades, como o GTPA-Fórum EJA e o Fórum Distrital de Educação (FDE), para um pouco melhor no sentido de que o estudante pode se matricular a qualquer tempo. Isso é um diferencial.
Essa luta conquistou o direito do estudante da EJA de justificar suas ausências durante o ano porque trabalha à noite, porque tem jornada de 12 por 36 horas, porque é vigilante ou funcionário de lanchonete, livraria e outros estabelecimentos cujos horários comerciaiscoincide com os das aulas.
Há também a ausência de políticas degoverno para assegurar a formação continuada de professores dirigida para o atendimento de jovens, adultos e idosos. Falta ainda fortalecer o currículo, corrigir deficiências do material didático, dentre outras combinações.
Esse ajuste é importante para trazer o olhar da identidade, da cultura, da realidade dessas pessoas que ficaram fora da escola. Afinal, são pessoas marginalizadas na infância e na adolescência e, agora, precisam ser incluídas. E incluir significa olhar o currículo a partir das necessidades delas.
Enfim, as nossas diretrizes são extremamente importantes, mas ainda estão muito longe de atender por completo. Por isso, é necessário investimento de todas as partes, especialmente das esferas governamentais, para devolvermos ao DF a condição de território livre do analfabetismo, como sonhou Darcy Ribeiro.
(*) Professora da rede pública do DF, diretora da CNTE e do Sinpro-DF, membro do Fórum Distrital de Educação