Meninas Kalunga são usadas como escravas sexuais em Cavalcante (GO), a 320 km de Brasília
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A Polícia Civil de Goiás concluiu pelo menos oito inquéritos, só em 2015, com denúncias sobre o uso de meninas como escravas sexuais. Somadas aos inquéritos passados, as acusações chegam a 39. As vítimas, entre 10 e 14 anos, são descendentes de escravos nascidas em comunidades quilombolas Kalungas da Chapada dos Veadeiros, o maior quilombo do Brasil na atualidade. Sem o ensino médio e sem qualquer possibilidade de emprego além do trabalho braçal em terras improdutivas nos povoados onde nasceram, elas são entregues pelos pais a moradores brancos de Cavalcante.
Na cidade turística de 10 mil habitantes, no nordeste de Goiás, a 320 quilômetros de Brasília, a maioria das jovens trabalha como empregadas domésticas em casas de famílias de classe média. Em troca, ganham apenas comida, um lugar para dormir e horário livre para frequentar as aulas na rede pública. Elas ficam expostas a todo tipo de violência. A mais grave é o estupro, geralmente cometido pelos patrões.
Quando chegou à cidade, o delegado Diogo Parreira Gomes, que deu visibilidade à barbárie que acontece em Cavalcante, se disse impressionado com a normalidade com que são tratados os casos de estupro. “Esta é uma prática considerada corriqueira, normal. Chegam denúncias a todo momento e ninguém faz nada. É quase cultural”, espantou-se.
Entre os autores investigados estão profissionais liberais e políticos, de 20 a 70 anos. Os inquéritos estavam engavetados. O mais recente tem como indiciado o vice-presidente da Câmara Municipal, vereador Jorge Cheim (PSD), 62 anos. Há duas semanas, um laudo comprovou o estupro de uma menina kalunga de 12 anos que morava na casa dele.
Audiência Pública
Na segunda-feira (20), a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal realizou audiência pública no município para ouvir a comunidade sobre crimes de exploração sexual contra crianças e adolescentes. As demandas extrapolaram os estupros. Muitos relataram que as famílias ficam intimidadas para fazer as denúncias, e temem represálias. Após o caso ganhar repercussão na mídia, representantes do Conselho Tutelar afirmaram que sofreram ameaças de morte e a sede do Conselho foi invadida. Relatórios referentes a crimes sexuais contra menores foram roubados.
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Em um dos depoimento mais acalorados da Audiência, a moradora Selma Moreira Santos, que teve vítimas de pedofilia na família, relatou que na cidade é normal ouvir de parte dos homens frases do tipo “vou pegar uma Kalunguinha para criar”, em alusão às menores que pertencem à comunidade Kalunga e que são vítimas de trabalho infantil, escravo e exploração sexual. Segundo ela, quem tem coragem para denunciar ainda tem que conviver com o preconceito. “As pessoas olham na rua e dizem que é tudo mentira. Mas digo, não tenham vergonha de se expor, denunciem”, sugeriu.
A deputada Érika Kokay (PT-DF), que foi a Cavalcante na condição de integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados afirmou que “impunidade também perpetua o crime, e perpetua a violação de direitos. E quando temos poder político e o poder econômico, ela fica mais densa”, repudiou.
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