Márcia Turcato
A brasiliense Helen Deluque, de 53 anos, nascida e criada em Brasília, é uma ultramaratonista. Ela consegue correr 100 Km abaixo de 12 horas, o tempo máximo estabelecido para esse tipo de prova.
Quem vê Helen nas pistas se admira da sua potência, com 1, 63m de altura e 53 Kg. Mas ela deixa para trás muitas corredoras com pernas mais longas e menos idade.
No fim de semana do aniversário de Brasília, na meia maratona (21 Km), Helen ficou em quarto lugar, e no domingo, na maratona (42 Km), chegou em segundo. Esse tipo de prova, de dois dias, é chamado de “desafio” e foi mesmo só para as brabas, como se diz na gíria esportiva.
Helen é professora aposentada da Secretaria de Educação do DF. Dedicou 33 anos à educação, trabalhando no Ensino Fundamental, em classe de alfabetização e em classes especiais com crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Até 2011, ela não tinha o hábito de correr. “A corrida entrou na minha vida quando eu estava com 41 anos. Depois que tive filhos, parei de fazer exercícios físicos. Vivia para o trabalho e para meus filhos. Até que me mudei para Águas Claras e no meu prédio tem uma academia, e comecei a correr na esteira”, conta.
Ela começou fazendo 5 Km, até que uma de suas irmãs a convidou para correr a prova Night Run. Depois dessa prova, sua vida mudou completamente. Helen pegou gosto pela corrida de rua. Junto com o marido, passou a correr na rua e a participar todo final de semana de corridas em Brasília.
“Fui evoluindo e passei a correr 10 Km. Não me imaginava correndo longas distâncias. Achava uma loucura, que nunca ia dar conta. Mas, por incentivo dos amigos, arrisquei fazer uma meia maratona em 2013, e nesse mesmo ano fiz a minha primeira Maratona de Buenos Aires. Ao cruzar a linha de chegada, tive a sensação de que sou forte, de que sou capaz de me superar”. A partir daí, não parou mais.
Helen já correu dezenas de maratonas e o desejo de se desafiar a levou a correr ultramaratonas. Em 2015, ela correu os 60 Km da prova Volta do Lago Paranoá, da qual é tricampeã. Também em 2015, entrou na assessoria de corrida Elite Multisport, com o treinador Júlio Ventura, que foi fundamental para organizar sua vida na corrida e focar em objetivos.
Em 2018, não satisfeita com os 60 Km, Helen decidiu fazer a modalidade completa da Volta do Lago Paranoá, que é de 100 Km. “Que prova dura e ao mesmo tempo emocionante. Correr por 100 Km na minha cidade e receber a cada quilômetro os gritos de incentivo dos amigos e de vários corredores me emocionou muito, me fez vencer a cada quilômetro”.
Ao cruzar a linha de chegada, ela foi recebida com festa pelos demais corredores. Gritos, aplausos e abraços. Ela foi a primeira brasiliense a ganhar a prova. E como campeã, foi convocada para compor a Seleção Brasileira de Ultramaratona e competir no Mundial na Croácia.
“Parecia um sonho. Eu, com 47 anos, ser convocada para representar o Brasil. Foi algo que nunca imaginei viver. Com a ajuda de amigos e da família, consegui ir para o Mundial em 2018. Foi a maior emoção da minha vida”, afirma.
Em 2019, ela foi convocada novamente para representar o Brasil no Pan Americano, em Bertioga, São Paulo, onde foi campeã. “Que emoção subir no pódio e ouvir o Hino Nacional. A partir daí, não parei mais. Sempre busco me superar a cada novo desafio. A disputa é pessoal, vencer a mim mesma e as limitações que a minha idade impõe”, diz a atleta.
Sem limites
A ultramaratonista acredita que a idade não pode ser motivo para barrar os sonhos e o início de uma prática esportiva. “Todos somos capazes, o importante é acreditar na nossa força e no poder diário da superação. Não importa a distância que corremos, mas o amor e o prazer que sentimos ao cruzar a linha de chegada. Todos somos campeões da nossa história”
“Falar sobre as conquistas que já tive é difícil. São várias. Mas o mais importante é a conquista pessoal. Não é o pódio que me define. É a força e a vontade de me superar”.
Ela salienta a importância de Brasília em sua vida: “Minha linda cidade é o palco da minha história. Aqui que me tornei a atleta que sou hoje. Aqui venci a mim mesma e conquistei a honra de representar o Brasil. Cada lugar que passo tem um pouquinho da minha história. Amo sair correndo de Águas Claras até a Ponte JK ou o Pontão, ou a Esplanada. Coloco minha mochila e saio sozinha. Isso é um desafio prazeroso”.
Corrida solidária
Quem desejar conhecer a ultramaratonista, é só levantar cedo e ir para os locais onde os atletas costumam treinar, em especial o Parque da Cidade. É lá mesmo que Helen comemora o seu aniversário, em setembro, do jeito que mais ama: realizando a Corrida Solidária, quando ela corre os quilômetros da idade com o objetivo de arrecadar alimentos e roupas para ajudar instituições que incentivam o esporte de base, como o Centro de Atletismo do Itapuã. É um dia de união de várias assessorias e corredores em prol do próximo. O evento sempre é divulgado com antecedência nas redes sociais.
Planos
Na lista de planos futuros de Helen, consta correr a Ultramaratona Conrades, na África do Sul, de 80 Km em terreno com variação de altimetria, e a Ultra Bertioga/Maresia, em São Paulo, com 75 Km, passando por paisagens exuberantes. Por enquanto, ela segue sonhando e motivando mais mulheres a vencer o sedentarismo e a encontrar no esporte o autocuidado e o prazer de fazer algo por elas mesmas.
Lesão
Nem tudo vira pódio na vida da ultramaratonista. Em 2022, em um treino de 6 horas, preparatório para o Mundial da Ultramaratona de Berlin, na Alemanha, Helen teve uma fratura por estresse no segundo metatarso do pé. Ela fez tudo que sua assessoria técnica recomendou para estar recuperada até o dia da prova. Acreditava que conseguiria completar os 100 Km do percurso com a fratura no pé. Correu os primeiros 30 Km, mesmo com dor. Mas a dor subiu até a coxa e atingiu o quadril, e ela começou a andar. Até que a Comissão Técnica da prova percebeu o problema e a retirou da competição.
Ela chorou e implorou para voltar para a pista, acreditando que poderia completar 70 Km, andando, dentro do tempo de 12h, que é o prazo máximo para terminar os 100 Km da prova. “Corredor amador tem isso, a gente quer dar até o sangue para completar uma prova”, diz Helen. Mas reconhece que, felizmente, a Comissão Técnica a retirou da pista. Se não, talvez precisasse ficar vários meses sem treinar e correr. “Quando voltei a correr chorei de alegria”.