José Silva Jr
Um conhecido cronista brasiliense costuma ambientar em botecos “pé-sujo” as divertidas histórias que publica semanalmente, muitas delas protagonizadas por pacatos cidadãos após ingerir alguns copos de cerveja misturados com tragos de cachaça e tira-gosto de torresmo. Assim o escriba usa seu talento para narrar engraçadas conversas de bêbados.
Para quem não tem o hábito de frequentar esses ambientes, vale explicar. Na mesa de bar, todo mundo fala alto, ninguém se preocupa com o que o outro está dizendo e cada um sai dali certo de que tinha razão e que convenceu o outro. No dia seguinte, ninguém se lembra de nada do que ouviu ou falou. E antes de curar a ressaca já planeja a próxima rodada com os amigos.
É mais ou menos o que faz a Secretaria de Comunicação do GDF. Para responder as denúncias do Brasília Capital – baseadas em dados do Sistema Integral de Gestão Governamental (Siggo), levantados pelo gabinete da deputada Arlete Sampaio (PT) – de que Ibaneis Rocha gastou mais de R$ 731 milhões com propaganda nos primeiros três anos de gestão, a pasta preparou uma resposta e divulgou em meia-dúzia de blogs patrocinados pela própria Secom.
Ou seja, falou o que quis, no tom mais alto que pôde e explicou algo para quem não sabia do que se tratava. Logo no início do texto publicado pela Secom no Portal da Transparência e reproduzido pelos blogs, o secretário Weligton Moraes afirma que “a Secretaria de Comunicação vem atuando com isonomia e transparência. Basta acessar o Portal da Transparência do GDF”.
Foi o que fez o Brasília Capital. Está lá: o GDF, por meio da Secom, atestou a prestação de serviços de publicidade da ordem de R$ 41,9 milhões somente no primeiro trimestre de 2022. Esses são os dados analisados pelo Brasília Capital com base na publicação ocorrida no Diário Oficial do DF no último dia 7 de abril. A verba foi distribuída entre publicidade institucional e de utilidade pública. Para o primeiro item, foram destinados R$ 23,3 milhões; para o segundo, R$ 18,2 milhões.
O gasto com produção foi da ordem de R$ 3,2 milhões, enquanto a veiculação de peças publicitárias totalizou R$ 38,7 milhões. Ainda em relação aos gastos de veiculação, a composição foi a seguinte: TV (R$ 13,8 milhões); Internet (R$ 11,46 milhões); Mídia Alternativa (R$ 5,6 milhões); Rádio (R$ 4,1 milhões); Jornal (R$ 3,5 milhões) e Revistas (R$ 121,6 mil).
Veja nas planilhas as principais despesas da Secom com as diversas mídias:
Gastos do GDF com propaganda ultrapassam R$ 1 bilhão
Baseado na prestação de contas da Secretaria de Comunicação, técnicos ouvidos pela reportagem afirmam que não é difícil concluir que o governo Ibaneis terá torrado, ao fim dos quatro anos, mais de R$ 1 bilhão com propaganda.
Aos R$ 731 milhões já apurados pelo sistema Siggo, devem ser somadas as despesas de cerca de R$ 35 milhões anuais do BRB e outros R$ 20 milhões da Terracap. Ou seja, mais R$ R$ 165 milhões, aproximando o total do primeiro triênio dos R$ 900 milhões.
Como a Secom gastou R$ 40 milhões no primeiro trimestre deste ano e, provavelmente, mais do que isso nos últimos três meses, acumulando com campanhas feitas pelo BRB, Detran, e Terracap, facilmente a linha do R$ 1 bilhão será ultrapassada.
Verniz eleitoral
A prestação de contas do segundo trimestre ainda não surgiu no Portal da Transparência o que, por lei, deve ser feito até o final de julho, devido ao início do período eleitoral. A preocupação dos adversários é que o GDF continue usando o dinheiro público para passar verniz de clima perfeito numa situação que beira o colapso em várias áreas.
Nas escolas, os professores estão sem reajuste salarial há sete anos e agora o governador decidiu não pagar o anuênio, alegando que a categoria não trabalhou durante a pandemia. Nos hospitais públicos, foram-se filas intermináveis de pacientes nos prontos socorros e nos centros cirúrgicos.
Nos quarteis da PM e dos Bombeiros e nas delegacias de polícia, o não pagamento do reajuste do pessoal da Segurança Pública causa insatisfação e reduz a qualidade do atendimento à população. E nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), pessoas famintas e doentes permanecem dias e noites à espera de se cadastrar para receber algum benefício do governo.
Em todos esses lugares, a dura realidade se sobrepõe ao brilho de uma propaganda oficial que, para quem assiste, parece enganosa.