Mario Pontes (*)
Em 1980, de passagem por Paris, entrei numa livraria e comprei Il nome della rosa, que acabava de ser publicado pela editora Bompiani, de Milão. Primeiro encanto: o límpido italiano em que o romance foi escrito. O que, aliás, não devia me surpreender. Afinal, quando jovem, Umberto Eco (1932-2016), o recém-falecido autor do romance, tinha sido um dos criadores e o mais persistente animador do Grupo 63, que se atribuíra, entre outros objetivos, o engrandecimento da linguagem, o elevado sentido ao seu uso. E agora, no prefácio de seu romance ele advertia: “Esta é uma história sobre livro e não um conto sobre as misérias do cotidiano”.
O romance (que é apenas um dos muitos livros de Eco) passa-se em 1327, quando o cristianismo europeu vivia uma séria crise, à qual muitos dos seus líderes reagiam com ações que só faziam piorá-la. Eram numerosos, por exemplo, os que só enxergavam a saída no castigo de quem quer que fosse considerado um heterodoxo, quem quer que não seguisse ao pé da letra os dogmas da Igreja.
É nesse clima sufocante que o monge inglês Guilherme de Baskerville e seu jovem discípulo Adson fazem uma peregrinação que os leva a um mosteiro do norte da Itália, considerado o mais belo de toda a Europa cristã, cuja planta labiríntica o leitor encontra logo na entrada do volume. Dotado de uma inteligência indagativa, que tudo quer saber, frei Guilherme, ao mesmo tempo que se encanta com a arquitetura, a decoração e a biblioteca do mosteiro, a maior do mundo cristão, estranha a atmosfera que envolve os habitantes do lugar. Logo ela irá tornar-se insuportável, devido a uma série de sete assassinatosm ocorridos em apenas uma semana…
Frei Guilherme não demora a descobrir o motivo dos crimes e a identidade do criminoso. A causa de tudo é um milenar manuscrito grego, nada menos do que uma cópia da segunda e desconhecida parte da Poética de Aristóteles. Na parte conhecida, o filósofo dera grande ênfase à tragédia, gênero poético que se alimenta da tristeza, da infelicidade, do destino cruel que torna os seres humanos sisudos, fechados em si mesmos, incapazes de lidar com a felicidade, a leveza, a alegria do riso. Esse homem entristecido pelo peso de suas ações, que vive apenas para lamentar seus pecados, enxugar as próprias lágrimas, tornara-se o padrão, o fiel desejado pela Igreja medieval; e essa escolha levaria à Inquisição, com seus milhões de condenados, torturados, queimados vivos nas fogueiras.
Mas voltemos ao romance. Os frades que ouvem os boatos sobre a existência do manuscrito procuram o bibliotecário do convento para saber se o livro de fato existe e, em caso afirmativo, se podem ler seu conteúdo. Como guardião da sisudez, o bibliotecário simplesmente os assassina. Afinal, ele está convencido de que muito riso é sinal de pouco siso.
Céptico, democrata, Umberto Eco escreveu O nome da rosa como uma advertência contra a estreiteza de espírito e a intolerância que ela costuma provocar. A intolerância, os rios de lágrimas, os lagos de sangue, os compridos períodos de treva que ela costuma trazer consigo.
Mario Pontes foi durante muitos anos editor do suplemento literário do Jornal do Brasil. É autor de várias obras e tradutor dezenas de livros originalmente escritos em inglês, francês e espanhol.
Frida entre nós
Uma ao lado da outra
Água em Marte? Vamos lá, cambada!