Gilberto Carvalho (*)
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O Brasil tem uma longa tradição de participação da sociedade na gestão pública por meio de conselhos. Remonta à década de 1930 a criação do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Nacional de Saúde. A Constituição de 1988, com seu vigor democratizante, deu novo impulso a essa prática.
Desde então, a criatividade e a necessidade de monitoramento das políticas públicas fizeram multiplicar o número de conselhos nacionais de participação social. Hoje são 35 em plena atividade, com representantes dos mais diferentes setores da sociedade.
Ampliaram-se também outras formas de participação. As conferências nacionais, que se iniciam nos municípios, mobilizam todos os anos centenas de milhares de cidadãos e cidadãs, produzindo propostas que refletem os anseios da população brasileira no seu cotidiano. Além delas, vieram também as audiências públicas, as ouvidorias e as mesas de negociação.
Por tudo isso, não há como pensar que os conselhos ou os outros mecanismos de participação social possam causar danos à autonomia dos Poderes da República.
O Poder Legislativo teve e tem um papel ativo na criação desses conselhos. Há 24 leis votadas pelo Congresso Nacional criando conselhos e determinando formas diversas de participação, como a lei nº 9.472 de 1997, que estabelece a participação social no Conselho Consultivo da Anatel, e a lei nº 9.961 de 2000, que define essa participação na Agência Nacional de Saúde.
Talvez exatamente por não causar danos é que a atuação dos conselhos e das outras instâncias de participação não se torne notícia, o que faz com que boa parte de nossa população ainda não os conheça. Isso precisa mudar.
O Brasil precisa saber que os conselhos e conferências trouxeram enormes benefícios para o surgimento de muitas políticas de Estado. Exemplos importantes são o Sistema Único de Saúde, a Lei Maria da Penha, o Brasil Sem Miséria, o Sistema Único da Assistência Social, o Estatuto do Idoso e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
O Brasil precisa saber que hoje são centenas de milhares de brasileiros que, nos municípios, dão sua contribuição voluntária participando, por exemplo, dos 5.553 conselhos de saúde, dos 5.527 conselhos de assistência social, dos 5.446 conselhos da criança e do adolescente. Essa gente dá uma enorme contribuição à aplicação efetiva das políticas públicas, fiscaliza, apoia, denuncia, exige transparência. Essa gente realiza a democracia no seu aspecto essencial, que é a sua incidência no cotidiano da vida das pessoas.
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O recente decreto nº 8.243 da presidenta Dilma Rousseff apenas reconhece uma rica realidade já existente. Não cria nenhum novo conselho. Organiza as instâncias e incentiva, isto sim, a expansão dessa prática e a consolidação de sua representatividade. O decreto amplia a perspectiva de novas formas de participação pelas redes sociais, que inauguram uma nova era no exercício da cidadania.
Portanto, a manifesta vontade do Congresso Nacional em debater a Política Nacional de Participação Social deve ser saudada com entusiasmo pelos amantes da democracia. A ideia de se organizar um amplo debate, coordenado por nossos parlamentares, com forte e irrestrita participação da sociedade, pode abrir um novo capítulo no processo de construção da democracia brasileira.
O Congresso e a democracia muito ganharão se, em vez de empenharem sua energia para construir um simples não a um decreto que apenas organiza aquilo que já existe, os parlamentares disserem sim ao debate que avance e consolide as formas de participação democrática.
Por isso, bendita a polêmica que permite reconhecer a imensa generosidade de milhões de brasileiros e que pode fazer expandir para outros tantos milhões a cultura da solidariedade e da fraternidade traduzida em ação cidadã por políticas públicas justas.
(*) Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República