Em tempos de avanço do liberalismo econômico, vivemos questionamentos diversos acerca da legitimidade das instituições sociais frente às exigências de mercado e à dinâmica da economia. Todo debate que leve ao aperfeiçoamento é válido, mas os limites da razoabilidade devem ser observados, pois as relações de mercado, se levadas ao nível de baliza primordial da estrutura social, nos levariam de volta ao velho paradigma da selva: ou somos presa ou predadores, o forte domina o fraco.
As estruturas organizativas dos trabalhadores, sindicatos e conselhos, são foco de especial assédio dos defensores de mercados regulados exclusivamente pela relação de consumo. E isso motiva várias pessoas, por motivos diversos, a defender a desregulamentação das profissões, o fim dos conselhos profissionais ou o fim da obrigatoriedade da contribuição dos profissionais – discurso que chegou ao Congresso Nacional sob a alegação de que os valores das anuidades são muito elevados.
Preocupa muito o ativismo que demonstram alguns parlamentares ao falar em tornar facultativa a contribuição sem maior aprofundamento na análise do assunto dando como justificativa o valor elevado da contribuição. Por óbvio, distorções e excessos que existam devem ser corrigidos e existem alternativas, também, para a situação de o profissional estar desempregado, impedido de pagar sua anuidade.
Não se pode deixar de considerar que a autorregulamentação de cada segmento profissional é legítima, democrática, deve ser valorizada e ter sua eficiência e eficácia expandida – não para controle do mercado, mas por necessidade de equilíbrio e aumento da qualidade do que se oferece à população. E a contribuição anual é indispensável para a sustentabilidade da atividade dos conselhos profissionais, devendo ser estabelecida em valor compatível com a remuneração oferecida aos profissionais de cada segmento.
A necessidade de estabelecimento de padrões éticos e fiscalização do correto exercício profissional e garantias à sociedade de habilitação para a prestação de serviços, como na área da saúde, é indispensável tanto para os usuários quanto para os profissionais. Aos usuários ou contratantes de serviços deve-se garantir um padrão de excelência e aos profissionais habilitados, garantias de concorrência justa.
A atuação dos conselhos deve levar em conta, mas não pode ser definida pelas demandas do mercado por redução de custos e aumento de lucros em detrimento da busca da excelência do exercício profissional e melhor atendimento ao usuário tanto no serviço público tanto quanto na iniciativa privada.
Nas palavras do sociólogo José Pastore, um dos maiores defensores da modernização das relações de trabalho no Brasil, “os conselhos e os mecanismos de fiscalização das profissões podem e devem prestar uma grande colaboração à sociedade na medida em que se dedicarem a cuidar da qualidade dos profissionais e proteger os consumidores”.
Em um universo perfeito, a evolução da sociedade implicaria, necessariamente, no aperfeiçoamento das instituições e dos indivíduos, com base no acúmulo e ampliação do conhecimento, da aceitação e do respeito plenos aos demais indivíduos da comunidade humana – a utopia – e dispensaria códigos de ética e fiscalização. Infelizmente, não é essa a dinâmica do mundo real, onde a liberalidade completa atende, em última instância, ao individualismo exacerbado.