Eu preciso dizer. Eu te amo. E eu te traí. E eu gostei. E agora, estou em pleno caso de amor com essa outra parte de mim
Anna Ribeiro (*)
Amor, senta aqui! Eu tenho um lugar na janela pra você. Do jeito que eu sei que você gosta. Com o vento batendo no rosto, e coisa e tal. Eu sei que não devia. E pouco sei sobre os motivos pelos quais fiz o que fiz. Não me faltava nada. Desde o início você me ofereceu tudo o que eu precisava, ou achava precisar.
Você, com seus feitiços, me deixava sempre com aquele ar de Feliz por nada. Nosso começo foi tímido, ao menos da minha parte. Não havia divã melhor e mais reconfortante do que a sua casa. Nossa… É assim que eu sinto. Eu me sentia escolhida, entre doidas e santas, eu. O bilhete premiado era eu! Você sempre fez com que eu me sentisse o centro, o foco, a lâmpada, a lareira em dia frio. Preciso confessar.
Depois foi uma paixão lancinante. Uma Montanha russa. Eu tinha você como quem tem uma doença crônica e ao mesmo tempo aguda. Paixão desenfreada. Um vício. Dormia e acordava contigo e queria sempre mais de ti. Braços estendidos em sua direção. Me toma, me tira pra dança, me alcança a tua lança e eu mesma me sacrifico. Preciso confessar.
Tentava entrar na sua mente, sentir o que você sentia, pensar com sua voracidade e ser meio por cento leve e profunda como você. Aos poucos fui me dando conta do quanto era grande essa minha necessidade de ouvir você, escutar seus passos nos corredores de casa. Até a lágrima caída por culpa sua era mais espessa, mais quente. Mais.
Escutar sua risada. A graça da coisa toda. Eu sei que deves ter-me como louca. E que fique claro: eu sou. Sou louquinha, doida varrida, doida de pedra. E minha maior loucura atende por seu nome. Preciso confessar.
Mas, aí do nada você sumia, desaparecia sem deixar rastros. E eu ficava como uma criança à espera da fada mágica. Um cão dado à adoção, mas ainda fiel e apaixonado por seu dono. Dias de cão sem você. Dias de tristeza sem você. Dias sem dia, sem você. Sem dúvida, eu ficava fora de mim toda vez que você sumia. E é por isso que eu preciso confessar.
E pouco a pouco fui desenvolvendo doenças crônicas. Entre uma taça de merlot e outra, fui fazendo meu próprio diagnóstico. Fui assinando o meu rascunho, que, a meu ver, seria o máximo que conseguiria extrair de mim. Felicidade crônica, paixão crônica, liberdade crônica? Só tristeza mesmo. Ou menos que tristeza – vazio. Profundo. Preciso te confessar.
Andava perdida entre dia e noite, descompensada me afogava em xícaras e mais xícaras de café. Ai que falta me fizeste nessas tuas lacunas impostas! Nem força para brigar contigo eu tinha. Silêncio. Puro silêncio, dentro e fora de mim. Com você era uma sinfonia só.
Confesso, às vezes eu ouvia gritos, gemidos de dor, sussurros atrevidos. Você era uma festa! Mas à tua ausência eu não poderia me acostumar. O desalinho da tua companhia me alimenta, me faz levantar de madrugada. A tua ausência me sepulta, e por isso que vou te confessar.
Até que um dia ouvi falar dela, a outra. Uma desconhecida pra mim. Só para mim no mundo, eu acho. E algo surgiu entre nós. Algo surgiu em mim. Essa outra me fascinou e passou a coexistir dentro de mim. Quanto mais a conheço mais eu quero estar com ela. Não suporto mais. Preciso confessar.
Eu preciso dizer. Eu te amo. E eu te traí. E eu gostei. E agora, estou em pleno caso de amor com essa outra parte de mim.