Enquanto boa parte do mundo se prepara para uma possível segunda onda de covid-19, com novos casos surgindo na Europa após meses de lockdown, no Distrito Federal o contágio e o número de casos graves seguem elevados, o que coloca a capital do Brasil na liderança do trágico ranking do maior número de mortes em decorrência da doença proporcionalmente à população. Ainda assim, o governo local fala em fechar os leitos exclusivos para pacientes com o novo coronavírus.
E a pergunta que não quer calar é: por quê? Se a pandemia ainda não passou, qual o planejamento estratégico que justifica o fechamento de leitos? Ou simplesmente não há planejamento? Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada 100 mil habitantes, são 103,8 mortes no DF. O número é superior, por exemplo, ao Rio de Janeiro, que tem 103,1 mortes por 100 mil pessoas. Já são mais de 3,1 mil cidadãos mortos em decorrência da doença, cujas perspectivas de uma vacina segura apontam somente para 2021.
Aparentemente, o que acontece no DF é: a gestão do Buriti ainda não aprendeu a lição. Na segunda-feira (21), as escolas particulares retomaram suas atividades presenciais. Na terça-feira, foi o dia de liberar, por meio de decreto, piscinas de clubes, saunas, parques de diversão e outras aglomerações.
Enquanto isso, na outra ponta, dentro dos hospitais, o medo dos profissionais de Saúde é de que o número de casos cresça, sobrecarregando ainda mais o SUS e colocando em risco o funcionamento do sistema e a capacidade de salvar vidas.
Outro ponto que vale ser destacado após meses de pandemia no DF, com medidas, no mínimo, questionáveis, é o fato de, até agora, tanto o rastreamento quanto o monitoramento de casos não ser uma prioridade da gestão.
Na Alemanha, por exemplo, que conseguiu manter o número de óbitos em decorrência da doença relativamente baixo mesmo sem longos períodos de lockdown e confinamento obrigatório, os cidadãos são avisados, via smartphones, se estiveram próximos de infectados nas últimas duas semanas. O sistema atua via aplicativo, pela troca de dados por bluetooth.
E o dever de casa chamado “precaução”? Em Anápolis, mesmo antes de o vírus chegar ao munícipio, o prefeito investiu em leitos de UTI extras. Ou seja, houve planejamento estratégico para a chegada da doença.
O resultado é que a taxa de letalidade por lá é 55% menor do que a média do país. Além disso, a gestão municipal também tornou a tecnologia uma prioridade: criou um WhatsApp exclusivo para troca de informações com a população sobre coronavírus e lançou um painel com dados atualizados de monitoramento dos cidadãos.
Se em Anápolis, município do interior de Goiás, o rastreamento, o monitoramento e a abertura de UTI’s para pacientes como covid-19 foram e são prioridade, por que não no DF?
A flexibilização de atividades e o fechamento de leitos de UTI exclusivos para coronavírus neste momento, ainda com número de mortalidade significativo, significam apenas que a gestão local conta com a imunidade de rebanho – o que é cruel e antiético – para anunciar o “sucesso” de ações sem planejamento.
E caso isso aconteça, não será por um planejamento do governo e, sim, pelo histórico natural da doença: com início, meio e fim. Mas a tendência, se continuarmos como está, é de que, após a estabilização de casos, o número de infecções volte a crescer.
Aumentando novamente, o que mais preocupa é a total ausência de planejamento preventivo para esse possível momento. O que, certamente, custará mais vidas e mais sacrifício do Sistema Único de Saúde (SUS), já castigado por anos e anos de negligência.
A pandemia não passou. E tampouco a dor daqueles que perderam seus entes queridos para a covid-19. Pessoas não são descartáveis. O planejamento preventivo traduz o popular “prevenir para não remediar”.