Márcia Turcato
De Minas Gerais para Brasília e depois para o mundo. Essa é a trajetória de Leandro Teixeira de Morais, 41 anos, natural de Uberlândia, de onde saiu no ano 2000 para estudar na Universidade de Brasília, e que hoje vive em Serra Leoa, na África, onde trabalha como enfermeiro obstétrico na organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), auxiliando mulheres na hora do parto. Dar apoio às populações vulneráveis é a missão de Morais. Mas sua ligação com a capital brasileira é ancestral e tem memória afetiva. Nesta entrevista, por telefone, ao Brasília Capital, Morais fala sobre sua vida e sua experiência profissional.
Como foi sua formação profissional em Brasília? – Fui para Brasília no ano 2000 para cursar Relações Internacionais na UnB. Morei na cidade por 17 anos e me tornei servidor público federal na área da saúde, na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), onde atuei na assessoria internacional. Essa trajetória de trabalho e de vida me motivou a buscar outros objetivos profissionais e fui cursar Enfermagem. No final de 2017, me mudei para São Paulo, onde fiz residência em Enfermagem Obstétrica, na universidade federal Unifesp.
Depois da nova formação acadêmica você deu uma guinada na sua vida. O que aconteceu? – Eu fiz uma mudança de rota. O trabalho com saúde sexual e reprodutiva, no campo humanitário, despertou em mim um interesse muito forte. Em 2020, no começo da pandemia de covid-19, fui trabalhar com as Nações Unidas (ONU) em um contexto migratório, em Roraima, fronteira com a Venezuela. Foi um grande aprendizado no contexto de saúde em situação de emergência e para entender o papel que a gente constrói para promover o acesso e facilitar que essas populações, que normalmente se encontram fragilizadas, sejam acolhidas nos programas de políticas públicas.
No final de 2022, comecei a trabalhar na organização Médicos Sem Fronteiras. Isso já era para ter acontecido em 2020, mas, por conta da pandemia, eu não consegui viabilizar minha adesão ao projeto. Nessa ação, eu consegui encontrar a relação que combinou duas áreas distintas da minha formação acadêmica e que funcionou muito bem no campo humanitário, fez todo o sentido. E, desde então, eu tive três oportunidades de trabalho com a MSF, no Brasil e no exterior.
Qual a tua experiência com a MSF? – Atualmente estou em Serra Leoa, na África, em um projeto de saúde materno-infantil. Em 2023 participei de um projeto, também na área de saúde reprodutiva, na Ilha do Marajó, no Pará. Antes, trabalhei na Venezuela. São contextos totalmente diferentes. A gente tem uma expectativa de entregar muito, por conta da nossa bagagem profissional e acadêmica. De fato, isso acontece. Mas somos nós que aprendemos muito com os profissionais nacionais nos projetos onde atuamos. Isso agrega. Aprendo bastante nesses cenários por onde passo.
O propósito de estar trabalhando com o MSF tem um alinhamento com meus princípios profissionais e pessoais. O MSF valoriza questões que no ambiente humanitário de saúde são importantes, como a centralidade no cuidado do paciente, um princípio muito forte pra gente; a independência da organização, que passa por vários níveis, inclusive a financeira, que gera a oportunidade de termos uma ação bastante sólida nos espaços onde atuamos.
Como é sua relação com Brasília? – Brasília tem muita importância na minha vida e um significado afetivo muito relevante. Meu pai nasceu em Brasília, em 1961. Ele é filho de pioneiros. Meus avós foram para Brasília em 1959 para trabalhar na construção da nova capital. Isso sempre foi muito emblemático e simbólico para mim. Anos depois, eu sou o filho de um brasiliense que sai de Uberlândia e vai para Brasília para construir a vida em um lugar que foi palco para a construção de vidas de pessoas da minha família.
A cidade também acabou sendo um lugar especial para mim no sentido de que foi em Brasília que eu me entendi e me construí como sujeito. Eu saí de Uberlândia em um processo de descoberta da minha sexualidade em um contexto social e familiar de muitas dificuldades para eu me expressar de forma autêntica. E a condição de eu chegar em Brasília como estudante foi muito positiva e muito encorajadora para mim. A vida universitária na UnB trouxe algo muito especial no sentido de trocas, na possibilidade de se enxergar nas outras pessoas, que vieram de outros lugares e que enfrentaram outras situações, e tivemos acolhimento, nos entendemos e também pudemos entender nossos direitos, nossas possibilidades enquanto pessoas LGBTQIA+. Isso é muito importante na minha trajetória.
Carrego até hoje uma relação muito afetiva com Brasília, que ainda é a cidade de muitas pessoas do meu círculo de amizades. Quando volto a Brasília sempre é muito acalentador. Tenho a sensação de estar em casa, porque encontro com pessoas que fazem parte da minha vida. São uma família.
Saiba+
Serra Leoa
A República da Serra Leoa fica na África Ocidental delimitado pela Guiné a Norte e Nordeste, pela Libéria a Sudeste, e pelo Oceano Atlântico a Sudoeste. Tem uma área de 71.740 Km² e população de 8,6 milhões de habitantes.
O país foi arrasado por uma longa guerra civil e mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza. Em cada dez adultos, sete são analfabetos, e a expectativa de vida é de 35 anos. Surgiu como colônia no século 18 para abrigar pessoas escravizadas pela Inglaterra e depois levadas de volta para o continente africano quando o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho assalariado.
O atual território de Serra Leoa era habitado por diversos povos tradicionais que formavam grandes reinos independentes. A invasão inglesa resultou na destruição desses reinos e na quebra da lógica de organização das etnias.
No entanto, foram os portugueses os primeiros invasores de Serra Leoa. O nome do país, inclusive, tem origem nesse período, sendo escolhido pelo navegador português Pedro de Sintra. A infraestrutura do País foi impactada negativamente devido a diversos conflitos entre a população de 1991 a 2002. Atualmente o país enfrenta problemas de oferta de infraestruturas diversas e serviços públicos para a população.
Médicos Sem Fronteiras
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) foi criada em 1971 por jovens médicos e jornalistas liderados por Bernard Kouchner. Eles haviam trabalhado em ações humanitárias em Biafra, Nigéria, na África, com a Cruz Vermelha.
A MSF oferece assistência a pessoas afetadas por crises, como conflitos armados, catástrofes socioambientais, desnutrição grave e epidemias. A organização foi fundada dentro de uma visão que envolve a mobilização social e a motivação de instituições públicas e políticas, estratégia conhecida como advocacia.
Em 1972 a organização fez sua primeira ação, na Nicarágua, após o terremoto que devastou o país. Em 2022, cerca de 65 mil profissionais de diferentes áreas da saúde e de diversas nacionalidades atuaram em 70 países, oferecendo cuidados de saúde a pessoas vulneráveis.
O financiamento da organização não governamental (ONG) e sem fins lucrativos é feito, quase exclusivamente, por doações de pessoas e instituições de todo o mundo. Esse suporte é fundamental para manter a independência e a autonomia na realização de projetos.
No Brasil, as atividades da ONG iniciaram em 1991 em um projeto para conter a epidemia de cólera na região amazônica. Desde então, o foco da MSF no Brasil tem sido o atendimento às populações vulneráveis e com dificuldade de acesso à saúde, incluindo população de rua, migrantes e comunidades indígenas.
Mais recentemente, a organização atuou durante a pandemia de covid-19 e também em apoio à população Yanomami. Em 1999, a MSF recebeu o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao seu trabalho humanitário.