Mario Pontes (*)
Advirto que já contei esta história. Mas não a leitores do DF, até porque na época em que as coisas aconteceram nenhum de vocês aí estava ao meu alcance. Mas depois de ler neste mesmo semanário – edição de 21.10. 2016 – a notícia de que jovens poetas brasilienses vão festejar, no próximo dia 31, os 114 anos do nascimento de Carlos Drummond de Andrade, não resisti à tentação de levar a colher ao prato alheio, não para tirar uma colherada, mas para acrescentar outra.
Ao contrário de alguns dos nossos poetas modernos, Drummond andou sempre de namoro com o jornalismo, o de Belo Horizonte para começar. Em 1945, já no Rio, publica seu quarto livro de poesia, o primeiro largamente popular: A Rosa do Povo. Era um jornal poético sobre o que trágico vinha ocorrendo no mundo: a guerra que destruía o mundo e matava às centenas de milhares por mês.
Depois Drummond pôde escrever versos que já não frequentavam campos de batalha, mas ainda estavam focados nas consciências e nos dramas materiais de milhões. Mas isso era pouco. E a lembrança de que fora jovem jornalista em BH trouxe-o para a imprensa carioca. Primeiro o Correio da Manhã, para onde escreveu durante vários anos.
Em 1968 recebeu o convite pelo qual certamente esperava: o Jornal do Brasil, em seu melhor momento, ofereceu-lhe espaço para publicar três crônicas por semana no Caderno B. Drummond começou a fazer o melhor e o jornal a aumentar seu espaço e dar-lhe lugares mais nobres do que aquela coluna interna do B.
O jornal designou-me para manter contato com ele pelo menos uma vez por semana. Perguntei-lhe um dia se era muito visitado pelos jovens em seu apartamento de Copacabana. Quase toda tarde – respondeu. – Tenho que ouvir muito e falar mais, não posso me recusar! – Parou, suspirou e mudou de conversa: – Que tal eu fazer uma visita ao JB? Nunca fui aí.
Dias depois, quando entrou silencioso, só foi reconhecido ao chegar à sala do Caderno B. Então as jovens repórteres ensurdeceram a redação com seus gritos e todos vieram festejá-lo. Quem tinha o seu talento poético? Quem, tanto quanto ele, sabia aquecer corações com sorrisos, restaurar a fé com poemas que eram maiores que discursos no meio da Praça?
(*) Mario Pontes é autor e tradutor de dezenas de livros. Em seus mais de vinte anos no Jornal do Brasil foi nos primeiros três redator do Caderno B e depois editor do caderno Idéias & Livros.
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