O CFM considerou os números apresentados ao Ministério da Fazenda, por meio de Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). O documento simplificado, disponível na Sala de Gestão e Apoio do Ministério da Saúde, mostra que os valores atuais são insuficientes para melhorar os indicadores da saúde em nível local.
Ainda segundo o CFM, no ano passado, o Governo do Distrito Federal gastou R$ 2,90 por dia com a saúde de cada paciente, valor que coloca o estado em primeiro lugar no ranking de gastos públicos per capita em saúde. Apesar disso, segundo o órgão, os indicadores denunciam precariedade na assistência à saúde.
“Para se ter uma ideia, o gasto médio com cada paciente que recorre ao SUS anualmente é de R$ 1.042,40, menos da metade do que os beneficiários de plano de saúde desembolsam para ter acesso à assistência suplementar”, afirma.
Outro dado que chama a atenção é a baixa cobertura populacional de agentes comunitários de saúde (ACS), que atendem 19% da demanda hospitalar, e das equipes de Saúde da Família (ESF), com 20%. De acordo com o conselho, nesse quesito, o DF também seria a unidade da Federação com pior desempenho.
Mauro Britto, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, é categórico ao afirmar que o número de leitos disponíveis no SUS é insuficiente não só no Distrito Federal como em todo o Brasil. “Não existe um consenso no meio médico, mas a literatura sugere algo em torno de quatro leitos para cada um mil habitantes. Bem longe dos 0,7 que temos na capital atualmente”, argumenta.
Hospitais privados não contam
Para o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Britto, cabe aos gestores ajustarem o déficit de leitos em cada unidade da Federação. “Não adianta computar o número de leitos disponíveis também nos hospitais particulares quando estamos falando de saúde pública. O contexto do DF e de todas as unidades da Federação é esse: faltam leitos, hospitais e profissionais”, alega.
De acordo com Britto, nos últimos cinco anos mais de cinco mil leitos foram fechados. “Além disso, se analisarmos a fundo os dados, temos um paradoxo: cerca de 35%, dos mais de 360 mil leitos que constam na listagem do Ministério da Saúde, estão ociosos, pois são credenciados em cidades pequenas, que não têm demanda significativa”, explica.
Ele enfatiza, porém, que levantamentos como este não visam provocar confrontos. “A observação dos números serve para analisarmos as deficiências e trabalharmos isso juntos”, conclui.
Pacientes atendidos em cadeiras A aposentada Rosair José Santana, 45 anos, deu entrada no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), na última segunda-feira, mas teve que aguardar até terça-feira para conseguir um leito. “Tenho um encaminhamento para cirurgia e dei entrada no hospital por volta das 21h da segunda-feira. Passei a noite na minha própria cadeira de rodas (ela teve uma das pernas amputada) e só na terça-feira, por volta das 11h da manhã, me arrumaram um leito”, lamentou.
A paciente relata que a falta de leitos não faz parte de casos isolados. “Agora estou acomodada, mas no meu setor há inúmeros pacientes em macas de bombeiros pelos corredores, e alguns deles terão de se contentar com cadeiras porque não têm leito para todos”, reclama.
Mesmo com a acomodação, o drama de Rosair ainda parece longe do fim. Agora, ela espera pela cirurgia. “Estou com muita dor. Os médicos dizem que estou com uma infecção no pé, mas não me operam. Tenho medo que a infecção se espalhe, como aconteceu com a outra perna, e eu precise amputar outro membro”, lamenta.
Sofrimento
Durante a manhã da última quinta-feira, não foi difícil encontrar outros pacientes que aguardavam a liberação de leitos no HRT. O açougueiro Silvanilson Fonseca, 35 anos, cortou o tendão acidentalmente e terá que fazer uma cirurgia. Ele aguardava desde as 9h, sentado em uma cadeira na emergência do hospital, segurando o próprio soro, enquanto esperava por uma maca. “Preciso me internar hoje para fazer uma cirurgia amanhã, no Hospital Regional do Paranoá”, diz.
Após sete horas de espera, Silvanilson cansou de esperar. “Estou voltando para casa, conversei com o médico e disse que preferia receber alta a ficar no hospital sentado, esperando um leito. Amanhã, devo fazer a cirurgia”, contou.
Outra vítima da falta de leitos foi o eletricista José Alves, 35 anos. Ele teve a mão operada na última terça-feira e aguardava a liberação de um leito sentado em uma cadeira. “Estou fraco e sendo medicado, mas como não tem leito estou sentado aqui”, disse.
Amparo na Justiça
Para os pacientes que enfrentam dificuldades para conseguir atendimento ou leitos para internação, existe a opção de procurar amparo na Defensoria Pública do Distrito Federal. De acordo com dados do Núcleo de Assistência Jurídica de Saúde, 60 pessoas abriram reclamações junto ao órgão por falta de leitos para internação no ano passado. Outras 98 reivindicaram a falta de materiais e mais 50 denunciaram a falta de tratamento. Em setembro do ano passado, foram cinco reclamações por falta de leitos para internação, número que dobrou no mesmo período deste ano.
Em contrapartida, o coordenador do Núcleo de Assitência Jurídica de Saúde, Celestiano Chupel, afirma que houve um aumento no números de leitos do DF nos últimos cinco anos. “Acontece que os pacientes do Entorno e de todo o Brasil sobrecarregam muito a rede de saúde pública do DF. Para se ter uma ideia, só em setembro ajuizamos dez ações referentes a falta de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além de outras 2.427 de pessoas que buscavam tratamentos de saúde”, aponta.
Apesar da sobrecarga, o coordenador garante que cerca de 90% das demandas são resolvidas sem a necessidade de acionar a Justiça. “Muitas vezes, os pacientes nos procuram sem um pedido médico sequer. Temos como consultar isso pelo sistema, mas se eles apresentarem as solicitações, facilita”, diz.
Com o pedido em mãos, a Defensoria Pública repassa a demanda ao hospital de origem solicitando o atendimento imediato.
Governo local nega números do CFM
A Secretaria de Saúde nega veementemente os dados. Segundo o órgão, o percentual de leitos na capital é de 3,1 para cada grupo de mil habitantes, ou 2,48 para cada 800 habitantes. “A secretaria desconhece os dados apresentados e esclarece que o cálculo correto é feito com o número total de leitos (públicos e privados) e com grupos de mil habitantes, assim como fez o Tribunal de Contas da União em seu relatório”, explica.
Segundo o órgão, até 22 de julho, data do último levantamento, o DF contava com 8.220 leitos. Destes, 4.885, pouco menos da metade, pertenciam ao Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com a pasta, o investimento total por paciente no DF, em 2013, foi de R$ 1.204, média de R$ 3,29 por dia. O dado da secretaria mostra uma diferença de exatamente 39 centavos em relação ao número levantado pelo CFM.
Saúde da Família
Sobre a baixa cobertura populacional de agentes comunitários de saúde e equipes de Saúde da Família, a secretaria esclareceu que contava, em 2011, com 117 equipes, o equivalente a uma cobertura de 11%. Acontece que entre essas, 39 eram contratadas pela Fundação Zerbini.
“Após uma decisão judicial que determinou a rescisão imediata do contrato com a fundação, restaram apenas 78 equipes, o que fez com que a cobertura local caísse para 7,33%, em janeiro de 2011, a pior do País”, admite.
expansão
De acordo com a secretaria, em 2014, no entanto, o número de equipes saltou para 259 “e trouxe a segunda maior expansão proporcional do País, 27%, segundo os parâmetros atuais do Ministério da Saúde”, garante a pasta.