Márcia Turcato
Imagine uma família com 100 crianças! Essa família existe e se chama Filhos da Nação. É uma família aquática, ou melhor, lacustre, porque vive no Lago Paranoá. É uma família de humanos, mas sabe compartilhar o espaço com famílias de várias espécies de peixes, capivaras e outros bichos que vivem em Brasília, aproveitando tudo de bom que existe naquele ambiente.
Filhos da Nação é um projeto social que utiliza a canoa polinésia (ou havaiana), como também é conhecida, além das pranchas de stand up paddle, apelido SUP, para transformar a vida de crianças e adolescentes que aguardam o processo de adoção.
São meninas e meninos com idade de seis a 18 anos incompletos que integram o Cadastro Nacional de Adoção e Acolhimento e lidam com as incertezas em relação ao futuro. Vivem com a expectativa de ser ou não reintegrados à família biológica, adotados por outra família ou se ficarão nas instituições de acolhimento até atingir a maioridade, sem ver realizado o sonho de ter um lar.
A psicoterapeuta Gabriela Speziali, fundadora do projeto Filhos da Nação, explica que as possibilidades que surgem com a SUPTerapia e a CANOATerapia são resultado de uma parceria entre o negócio social OndaSup e a Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
O acolhimento das crianças na prática esportiva é realizado junto com o seu marido, Tiago Souza, mergulhador profissional e atleta de canoagem e stand up paddle. O casal conta com o apoio de voluntários no transporte das crianças, nas aulas e no lanche pós-treino.
Capacidade de sonhar
Quando entram na canoa para remar, em equipe ou quando praticam o SUP, acompanhados por instrutores voluntários do projeto, essas crianças e adolescentes se sentem acolhidos e pertencentes à família do esporte, o que contribui para que elas resgatem a autoconfiança e a autoestima e lidem melhor com a própria realidade.
Isso resulta numa melhor concentração na escola, socialização com pessoas diferentes e o resgate da capacidade de sonhar e de acreditar em um futuro promissor. Os resultados são potencializados porque a prática esportiva é combinada à psicoterapia junguiana.
Com este tipo de abordagem, de forma simbólica, os pequenos e jovens atletas encontram espaço para se expressar, trabalhar questões emocionais em um consultório a céu aberto, ressignificar e transformar emoções.
Desde 2017 o projeto acontece no Lago Paranoá com crianças e jovens de Brasília, de várias regiões administrativas e também do Entorno do Distrito Federal, que vivem em abrigos e que lidam com uma realidade dura, muitas vezes marcada por abandono, ou maus-tratos, ou violência física, psicológica e/ou sexual.
Em 2023, Gabriela mediu o impacto da ação junto às crianças e aos adolescentes que participam do projeto. Em janeiro daquele ano, 71,42% dos respondentes não tinham nenhuma expectativa em relação ao futuro. Em dezembro, apenas 7,14% tinham pouca expectativa em relação ao futuro, 64,27% tinham alguma ou boa expectativa e 28,57% das crianças e adolescentes tinham uma excelente expectativa em relação ao futuro.
A pesquisa foi realizada com a participação de técnicos das instituições públicas envolvidas com a iniciativa e confirmou o resultado positivo da prática esportiva na vida das crianças e adolescentes.
Saiba +
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção e Acolhimento, cerca de 32 mil crianças e adolescentes, no Brasil, que estiveram em situação de abandono, ou de negligência, ou sofreram algum tipo de violência ou de abuso, vivem atualmente em serviços de proteção.
Nos últimos sete anos, 100 crianças e adolescentes foram diretamente atendidos na ação e 400 pessoas foram impactadas pelo projeto Filhos da Nação, realizado pela OndaSup e tem gestão compartilhada com a Associação Brasil Melhor (ABM), organização social criada em 2005.
A prática esportiva acontece aos sábados na Ascade, no Setor de Clubes Sul. Quer colaborar com o projeto? Entre em contato e @filhosdanacao