Kleytton Morais (*)
Num país imerso num mundo caduco e insustentável, é mais do que urgente “parirmos” outras possibilidades, permitindo a máxima de que “toda realidade está grávida do seu contrário”.
A tragédia que se abateu sobre o Brasil, contra e diretamente sentida e sofrida pela classe trabalhadora, é assombrosa.
Se, para a consolidação de direitos fundamentais à condição humana é preciso anos e anos de luta, o ímpeto dos títeres, genocidas e depravados ao seu desmonte e destruição não precisa mais do que alguns poucos anos.
Da precarização total das condições de trabalho ao desemprego estrutural, ressurgem milhares de pessoas em situação de rua e milhões em insegurança alimentar, o que fez o Brasil retornar ao mapa da fome. Desmantelo total do Estado, bombardeio e contrainformação por meio de redes criminosas de propagação de mentiras fizeram o Brasil retroceder e, sem cerimônia, assumem de maneira vil e mesquinha o assombro de suas mentes coloniais.
Quase 135 anos após a abolição da escravatura, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas no País. Episódios como os registrados em Bento Gonçalves (RS), no qual 207 trabalhadores, em sua maior parte oriundos da Bahia, escancaram os níveis lamentáveis de retrocesso que os tempos de atentados a democracia nos impôs.
Eles trabalhavam na colheita da uva para as empresas Aurora, Salton e Garibaldi, submetidos a situações degradantes e análogas à escravidão, como constatam investigações da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Federal e do Ministério do Trabalho e Emprego.
Os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, recebiam comida imprópria para consumo, eram obrigados a comprar produtos em um único estabelecimento (descontando no salário), e preços elevados, e eram mantidos vinculados ao trabalho por supostas “dívidas” contraídas com o empregador.
O aumento da tensão no campo estourou no Brasil. O número de homicídios dispara, sobretudo, incentivados pela impunidade e pela apologia da violência estimulada no último e trágico período.
Esta dura e lamentável realidade está registrada no relatório de Conflitos no Campo Brasil 2021, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O documento, de acordo com a entidade, é o retrato do pior cenário da série histórica desde 1985.
O relatório aponta que as mortes ocorridas em decorrência dos conflitos aumentaram mais de 1.110% no último período. Dentre as 109 morres registradas, 101 foram de indígenas Yanomami. Aparece também um aumento de 44% nos registros de pessoas torturadas e de 39% das agredidas fisicamente, em situações de conflitos rurais.
A CPT identifica que essa tragédia aprofundou-se com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), tendo desencadeado uma política reacionária e “antirreforma agrária, expropriatória e violenta nas áreas rurais” no País.
O fascismo e o rentismo inescrupuloso e sem modéstia continuam a produzir suas vítimas. No dia 11 de abril, na comunidade do Cupim, em Correntina (BA), a violência no campo fez novas vítimas, com o ataque de vários pistoleiros com armas de grosso calibre contra os fecheiros (trabalhadores que atuam e defendem a posse da terra na região denominada de Fecho, utilizada para a solta de gado).
A sabotagem praticada pelo Banco Central, ao insistir numa política monetária insensível à realidade do povo e alheia à geração de emprego, renda e controle inflacionário, é um empecilho ao projeto de crescimento inclusivo do País, escolhido nas urnas, em 2022.
A manutenção da taxa básica de juros da economia em 13,75%, além de afastar investimentos na produção, retira do orçamento público mais de R$ 600 bilhões, que saem da mesa da população, da habitação, da saúde e da educação e vão engordar as contas do rentismo.
Com um Brasil cuja herança recebida pelo presidente Lula é de 33 milhões de cidadãos com fome e 15 milhões de desempregados, tornando o país o mais desigual do planeta no ranking das nações, a tarefa, mais do que nunca, é urgente e requer de todos consciência, unidade e todo esforço para que possamos pressionar as estruturas e modificar a realidade.
É urgente disciplinar a sanha inconsequente do rentismo. Libertar o Estado das armadilhas impostas que inacreditavelmente impuseram um teto de gastos às necessidades do povo, mas, no arrepio da desgraça do povo, tem o céu como limite para pagamento dos juros.
Não podemos tolerar a lógica de adoecimento, que é implacável pelos seus métodos de produção de resultados, utilizando dos assédios e metas desumanas, fazendo adoecer e assassinando bancárias e bancários todos os dias.
Nossos esforços serão incansáveis para a reconstrução da dignidade da nossa gente. Buscaremos políticas públicas que respeitem e devolvam o respeito à pessoa humana, ao meio ambiente, à cultura, aos direitos e à vida; aos indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, atingidos por barragens, cooperados e prestadores de serviços ambientais.
As mulheres negras, como constatado por Lélia Gonzales no seu conceito da interseccionalidade (“E a trabalhadora negra, cumé que fica?”), precisam e serão a urgência que o Brasil necessita cuidar, a fim de que recuperemos nossa passagem para uma nova e possível realidade, por que esta, a impossível, já deu.
(*) Presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília