Com o pouco fôlego que conseguiu após barrar, na Câmara dos Deputados, o prosseguimento no Supremo Tribunal Federal da investigação de prática de corrupção passiva, feita pela Procuradoria-Geral da República, o presidente Michel Temer já pensa em retaliar aliados que lhe negaram votos. Enquanto aguarda novas denúncias — de obstrução de Justiça e formação de quadrilha —, ele prepara turbulências para parlamentares da base que não lhe foram fiéis.
O líder do governo, Beto Mansur (PRB-SP), ficou com a incumbência de mapear as benesses governamentais dos que votaram contra, com a finalidade de tirá-las, como punição. “Se acharam que ele estava fazendo esforço máximo para atrair aliados, esperem para ver do que ele será capaz quando for punir os adversários”, ameaçou um governista muito próximo do presidente, no dia seguinte à sessão de quarta-feira (2).
A operação para salvar Temer foi uma ofensiva que envolveu toda a força do governo, principalmente na liberação das famosas emendas parlamentares. Somente em poucos dias de julho, foram liberados mais de R$ 2,1 bilhões para os deputados, segundo a ONG Contas Abertas. A oposição acusa o governo de comprar votos também com todo tipo de favores e cargos.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ressalva que a decisão da Câmara não altera o ritmo de trabalho do Ministério Público Federal. Ele argumenta que os deputados analisaram a natureza política, e isto não afeta processos e inquéritos em consonância com a lei.
Faltou povo
No dia da votação, não houve presença de manifestantes em Brasília. O prédio do Congresso Nacional estava cercado de grades e protegido por policiais militares. O acesso pela Chapelaria foi proibido – quem precisou ir à Câmara ou ao Senado teve que entrar os anexos. Nem mesmo as galerias do plenário da Câmara receberam manifestantes.
Superado o primeiro processo, os aliados e o presidente agora temem o que poderá vir a partir de setembro, quando Janot será substituído pela futura procuradora Raquel Dodge. As duas próximas denúncias contra Temer têm como base também delações de Joesley Batista, um dos donos da JBS. A obstrução de Justiça teria sido praticada pelo presidente no caso da suposta compra do silêncio do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba.
Joesley diz que fez pagamentos a intermediários de Cunha e ao operador financeiro do esquema, o doleiro Lúcio Funaro, preso em Brasília, para que ficassem em silêncio. Na gravação feita por Joesley Batista, Temer dá a entender, de acordo com a PGR, que os pagamentos de propina a Cunha deveriam ser mantidos.
A organização criminosa está ligada às atividades fora-da-lei de deputados próximos a Michel Temer, crime que teria sido praticado antes de ele chegar à presidência da República. Este delito ficará para quando Temer deixar o Planalto. As investigações sobre obstrução de Justiça podem provocar a segunda denúncia contra o presidente até o início de setembro, quando Rodrigo Janot encerra seu mandato na PGR.
As informações são de que a vitória de Temer, livrando-se de investigação pelo STF enquanto estiver na chefia do governo, não diminuiu o ritmo de trabalho dos investigadores. Só não se sabe ainda se os aguardados avanços anunciados por eles estariam ligados a possíveis revelações de Cunha ou de Funaro.
Quadrilha
Tanto Cunha quanto Funaro negociam delações premiadas, o que é motivo de preocupação no governo e entre aliados de Temer. O presidente deverá ser apontado como chefe do grupo composto por ele e pelos ex-deputados Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), também ex-presidente da Câmara e igualmente preso. Como um presidente da República não pode responder a crimes cometidos antes do mandato, a denúncia contra Temer ficará para quando ele deixar o cargo.
No entendimento de investigadores, há fortes indícios que surgiram em várias fases da Operação Lava Jato que colocam Temer e Cunha no topo de uma estrutura de corrupção que se mantém no poder no Brasil nos últimos anos. Inclusive, um investigador salienta que “PSDB e PT entraram e saíram do poder. Este grupo não. Está aí há muito tempo”.}