Márcia Turcato (Interina)
Formado em História pela UnB, João Paulo Barbosa, de 49 anos, é cidadão do mundo. Nascido em Brasília, hoje a cidade de São Paulo é seu endereço de referência. Atualmente ele está focado na documentação fotográfica e histórica das zonas frias do planeta para registrar as alterações provocadas pela ação humana.
JP tem dez livros publicados. O último, de crônicas de viagem, é “Caminhos Imprevisíveis”, onde diz: “se eu tivesse que ter apenas um livro, teria um Atlas”. Desde 2011 ele faz viagens rotineiras à Antártica, onde está agora, com retorno previsto para março.
Como é o teu projeto atual sobre degelo? – O N’Ice Planet é um projeto pessoal e consiste na realização, ao longo de quatro anos, de expedições ao redor do mundo para documentar zonas frias e divulgar as principais questões relativas ao gelo, como os dilemas populacionais, as migrações por conta de mudanças climáticas e o risco de extinção dos povos árticos. Também mostro ativistas ambientais que trazem mensagens importantes e alertas sobre os riscos que o planeta experimenta. Relato conversas com cientistas, mostro trabalhos de geoengenharia que eles desenvolvem e procuro documentar o que está sendo feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e o consequente derretimento do gelo.
Como pretende divulgar esses conteúdos? – Serão divulgados regularmente em redes sociais e diversas mídias, com o objetivo de instigar o público a refletir, discutir, indagar e atuar por soluções junto aos governantes. Documentar a urbanização das mais altas montanhas geladas do planeta é dos mais tristes temas que compõem a minha pesquisa sobre o gelo no Antropoceno (termo empregado pelo químico holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de Química de 1995, para designar uma nova época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra). Será que logo haverá um hotel sofisticado na montanha K2 (Qogir Feng, no Himalaia), a exemplo do que já acontece no Aconcágua e no Everest? O black carbon (concentração de fuligem na atmosfera) acelera o derretimento das geleiras. Há 30 mil refugiados e/ou desabrigados do clima na região do Himalaia apenas no último Verão.
Quantas vezes você esteve na Antártica? – Estou fazendo, neste mês de fevereiro, a minha nona expedição antártica e a sétima embarcado no veleiro Kotik, do comandante francês Igor Bely. Volto no final de março. Esta é uma viagem mais curta. Muitas vezes eu chorei de emoção ao chegar na Antártica e de tristeza quando tinha de ir embora. Em 2020 eu tive a experiência de remar por nove dias numa canoa polinésia para três pessoas com os campeões brasileiros Marcelo Bosi e Rudah Caribe, representantes do Brasil no Mundial de Canoagem,
Qual foi a maior dificuldade que você experimentou? – O estreito de Drake (também chamado de mar ou passagem). Passar ali num veleiro não é brincadeira. Eu já passei quase 20 vezes, contando ida e volta. A travessia leva cerca de quatro dias. Então é inevitável passar por pelo menos uma grande tormenta. Três vezes foram terríveis. Pensei que ia morrer, mas lembrei que estava num barco feito para essa situação adversa, com mono casco de aço, feito por um ex-cientista da Nasa, com uma tripulação incrível, e então não me entreguei emocionalmente. Reagi. O corpo fica acabado, mas o espírito aguenta. O estreito de Drake é o maior perrengue da galáxia.
Qual a melhor experiência que você teve numa dessas viagens? – Quando eu tinha 18 anos, e estava no norte do Canadá, em Quebec, e vi a aurora boreal foi uma experiência fantástica. Eu estava acampado com seis amigos. A aurora boreal durou muitas horas. É muito colorida. Foi emocionante. Os primeiros mergulhos utilizando cilindro com oxigênio também foram emocionantes. Escalar o Aconcágua (maior montanha da cordilheira do Andes, na Argentina, com 6.961 metros de altura), sozinho, aos 20 anos, também foi muito emocionante. Em 2014, na minha terceira viagem para a Antártica a bordo do veleiro Kotik foi incrível porque eu sonhava em viajar nesse barco e com uma galera que eu sonhava muito em estar junto.
Saiba +
No Mar de Drake há mudanças bruscas nas condições de temperatura, visibilidade e, principalmente, do vento. Comandantes de aeronaves e de navios passam por processo de treinamento especial para operar nessa área. O estreito é o terror dos navegantes. Estima-se que 800 embarcações tenham naufragado em suas águas. É o ponto mais austral da América do Sul e mais próximo da Península Antártica, com 650 Km de extensão e quase cinco mil metros de profundidade, onde os oceanos Atlântico e Pacífico se encontram, se afunilam e se confrontam num grande espetáculo, provocando ondas gigantes. Até à base brasileira, a Comandante Ferraz, são 900 Km de distância.
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