Márcia Turcato
Certamente você já ouviu falar em “cartilha gay”, ou em “mamadeira de p*”. Ou que haveria um “parque da Disneylândia em Brasília”. Ou, ainda, que a “vacina contra covid-19 implanta um chip chinês na pessoa”. Esses temas têm em comum o fato de serem fake News. Ou seja, são desinformação, e todas surgiram durante campanhas eleitorais.
Finalmente, a Justiça Eleitoral colocou foco nesse assunto. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, inaugurou, dia 12, o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), cujo objetivo é coordenar ações junto aos três Poderes, órgãos da República e instituições na promoção da educação em cidadania, dos valores democráticos e dos direitos digitais.
Para o presidente do TSE, “a vontade do eleitorado vem sendo atacada por milícias digitais desde 2018, que, ao utilizar fake news e discursos de ódio, pretendem desvirtuar o mercado livre de ideias”. O ministro, na mesma ocasião informou que cabe ao Centro, entre outras atribuições, combater a desinformação eleitoral; as deep fakes – conteúdos construídos por meio de tecnologias que podem atribuir falsamente às pessoas falas, posicionamentos ou atos que não correspondem à realidade, e os discursos de ódio, discriminatórios e antidemocráticos na esfera eleitoral.
A campanha eleitoral em 2018 nadou de braçadas num amplo repertório de fake news, ataques pessoais, discursos de ódio e até ameaças de morte nas redes sociais, com total conivência ou omissão das plataformas digitais, onde estão hospedados esses conteúdos.
Desinformação e poder
Em 2018, a máxima ‘informação é poder’ foi atualizada para ‘desinformação é poder’. A desinformação é uma estratégia global e concorre com a ética na informação. Ela integra o arcabouço das convicções ideológicas e, para combatê-la, o primeiro passo que deve ser dado é deixar de chamá-la de fake news.
Uma notícia (news), por definição, não é falsa. Ela foi apurada, com ética, por um jornalista profissional. Falsas são as narrativas publicadas em portais que, embora pareçam ser sítios de notícia, publicam conteúdo sem responsabilidade social, com o objetivo de prejudicar a capacidade de avaliação da audiência.
As ditas fake news são versões distorcidas da informação. Elas se apropriam de algum traço de realidade, de forma a conferir credibilidade às teses de grupos de ideologia indefensável. A desinformação imita o jornalismo na forma, mas não nos procedimentos.
São criados personagens e inventados fatos para construir mentiras estratégicas para que pareçam verídicas e ganhem impulso nas redes sociais e, com isso, conquistar a simpatia de cidadãos de boa-fé.
Os algoritmos são uma armadilha da web. Em alguns casos, o discurso não é alterado, mas é feita edição das imagens, modificando a velocidade dos frames, ou o áudio da gravação, para que o protagonista aparente estar alterado e perca credibilidade junto à plateia.
Esta é outra face da manipulação tecnológica que precisamos enfrentar. Em outros casos, com o uso de inteligência artificial (IA), são feitas montagens tão perfeitas que é necessária a avaliação de um perito.
Mundo de penumbra
Mesmo com a recente iniciativa do TSE, as redes sociais permanecem como um mundo de penumbra, onde nem sempre é possível identificar autores e seus propagadores. É um mundo sem impressão digital. Não sabemos de fato quem está teclando e não há regras claras sobre o seu uso.
No entanto, é preciso reconhecer a importância da comunicação digital na sociedade e a popularização, a baixo custo, da produção de conteúdo que ela proporciona. Exemplos de desinformação não faltam.
O setor da Cultura foi um dos mais atingidos. Informação falsa sobre uma mostra no Espaço Cultural Santander, em Porto Alegre, acabou fechando a exposição. O mesmo ocorreu com uma exposição no Museu Nacional, em Brasília, que precisou retirar algumas obras que estavam instaladas. E ainda com uma performance em São Paulo.
A Cultura e suas manifestações artísticas, assim como a Educação, sempre foram espaços de resistência e renovação. Os ataques sistemáticos e estratégicos a esses setores mostram que há uma ideologia de desconstrução defendida por alguns setores.
Em Brasília, por exemplo, a proposta de edificar um Museu da Bíblia evidencia o alinhamento do governo local com setores político – que têm conexão religiosa – para o fortalecimento de um pensamento conservador e atrasado.
Saiba+
O livro “E se fosse você?”,de Manuela D’Ávilla,é uma boa leitura sobre o fenômeno das fakenews/desinformação. Ele explica vários conceitos sobre o tema e ajuda a entender as variantes da desinformação, onde a fake news é um dos componentes do problema.
O portal Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em Portugal, tem inúmeros artigos sobre a regulação da mídia e estudos sobre iniciativas na União Europeia, como o texto “A desinformação – contexto europeu e nacional”, com propostas de participação social no controle da desinformação.